De 1 a 4 de dezembro de 2009 em Saint Georges de l’Oyapok, Guiana Francesa aconteceu o “Segundo Encontro Transfronteiriço dos Povos Indígenas do Norte do Pará, Amapá, Suriname e Guiana Francesa”. O evento foi promovido pelo Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, em parceria com o Observatório Homem/Ambiente “Oyapock, um rio compartilhado”, do Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS, com a colaboração do prefeitura de Saint Georges de l’Oyapok e de Camopi na Guiana Francesa.
O encontro contou com a presença de mais de 170 representantes das etnias Wajãpi, Tiriyó, Wayana, Aparai, Galibi, Galibi-Marworno, Karipuna, Palikur, Kali’na e Teko, e representantes de organizações indigenistas, ambientalistas e de órgãos governamentais dos três países. Durante o encontro foram discutidos temas que já vinham sendo desenvolvidos desde a primeira reunião transfronteiriça, promovida pelo Iepé e realizada em novembro de 2008, na cidade de Macapá, entre eles: garimpo e mineração em territórios indígenas e no seu entorno; agricultura; manejo da caça, da pesca e das atividades extrativistas; e produção de artesanato e gestão das matérias-primas. Os debates, realizados com tradução simultânea (português, francês e em sranantongo) incluíram uma rica troca de experiência sobre as diferentes maneiras com que cada comunidade lida com essas questões e as soluções que têm sido discutidas localmente. As atividades incluíram grupos de trabalho, plenárias, apresentações temáticas e culturais.
Garimpo e Mineração – Entre os temas discutidos, a problemática do garimpo, ganhou relevância. “Estamos com um problema regional, uma mesma geologia em que o ouro está presente e os mesmos problemas sócio-econômicos. O fluxo em busca do ouro torna o problema transfronteiriço. As conseqüências desta atividade são regionais e implicam em desmatamento, poluição dos rios e fragmentação social. Estão sendo feitos esforços por parte dos governos. Aqui, temos que discutir como podemos contribuir para a solução desses problemas” disse Romain Taravella do WWF da Guiana Francesa, no início das discussões. Franck Appolinaire, Kali´na da Association Yawoya d´Awala-Yalimapo, ao apresentar as conclusões do grupo de garimpo e mineração, afirmou que “a poluição dos rios e da floresta, a contaminação dos peixes e depois dos homens e das mulheres, a perda da autoridade, a violência e o tráfico estão entre os principais impactos que os garimpos trazem para as comunidades indígenas”. Por isso, ressaltou que os representantes indígenas chegaram a uma posição comum: “não queremos nem garimpo, nem mineração em nossos territórios, e nem fora deles, quando eles trouxerem conseqüências que nos atingem”. Salientando que entendiam tratar-se de um problema em escala local, nacional e regional, Appolinaire afirmou que as comunidades indígenas não se sentem suficientemente informadas a respeito das ações governamentais para solucionar esse problema: “Em muitos casos, estamos pouco informados ou mal informados sobre as ações governamentais e sobre o processo de gestão política dessa temática, onde são tomadas as decisões”.
Terra e agricultura – Embora a situação de reconhecimento jurídico dos territórios indígenas seja distinto nos três países representados no Encontro, vários processos e problemas se mostraram comuns. A França não reconhece estatuto especial aos índios e só recentemente foram reconhecida zonas de direito de uso (ZDU) na Guiana Francesa, para que os ameríndios possam plantar suas roças e caçar. Como as terras indígenas no Brasil, essas ZDU são propriedade do Estado, mas os índios tem o usufruto exclusivo dessas áreas. Já o Suriname não reconhece territórios específicos aos índios. Discutiu-se no Encontro que quase todas as comunidades indígenas dessa região passaram por processos de concentração demográfica. Segundo a coordenadora do Observatório do CNRS, Françoise Grennand, esses processos implicaram na “sedentarização dos grupos indígenas e com isso cada vez mais as roças ficaram longe ou as capoeiras passaram a ser reaproveitadas cada vez mais cedo. Esses problemas se agravam na medida em que os projetos de desenvolvimento governamentais desconhecem a forma de ocupação tradicional dos índios e de seus padrões de dispersão e de mudanças das roças”. Rosena Wajãpi, do Brasil, afirmou que os povos indígenas estão preocupados e pensando no que fazer para que a caça, a pesca e a coleta não acabem. “Temos que fazer mapas dos recursos naturais nos nossos territórios. Temos que fazer pesquisa para conhecer mais e temos que fazer planos de vida e de gestão territorial” propôs Rosena ao apresentar os resultados de um dos grupos de discussão do Encontro. Já Louise Touanke, Wayana do Alto Maroni, na Guiana Francesa, em sua apresentação dos resultados das discussões sobre terra e agricultura, afirmou que “após períodos de concentração, o que está em curso em toda a região são processos de dispersão territorial” e que “os povos indígenas estão preocupados em não perder o conhecimento tradicional sobre a natureza, ainda mais quando as crianças passam a freqüentar a escola e a viver fora da comunidade por muitos anos”. Uma alternativa apontada seria a prática de uma educação diferenciada, como proposta no Brasil, mas que não existe na Guiana Francesa nem no Suriname. Ainda segundo Louise, em seu grupo de concluiu-se que “as comunidades estão crescendo, há muitas crianças e é preciso se preocupar com o futuro delas. Seríamos felizes se nossas crianças pudessem viver tão bem quanto nós. Por isso, precisamos de terra e de que as crianças não saiam para a escola. A gente quer viver do jeito que a gente sabe e quer”.
Continuidade da articulação transfronteiriça – Ao término deste Segundo Encontro, líderes indígenas dos três países se revezaram nos discursos de despedida, afirmando que, apesar de viverem situações particulares e específicas nos três países, o Encontro tinha lhes possibilitado a oportunidade de se encontrarem, discutirem problemas comuns e buscarem soluções em conjunto. De acordo com o secretário-executivo do Iepé, Luís Donisete Benzi Grupioni, essa era a principal intenção ao se promover esses encontros: “Estamos propondo a constituição de uma rede de articulação entre diferentes atores sociais, indígenas e indigenistas, e representantes governamentais, para enfrentar problemas que têm caráter regional e que afetam os povos indígenas que vivem nesses três países”.
Um próximo encontro foi proposto para 2010, em Paramaribo no Suriname, cobrindo assim os três países da região. Para este próximo encontro foram sugeridos, pelos participantes indígenas, novos temas: mudanças climáticas nas comunidades indígenas, violência contra as mulheres, drogas e álcool nas comunidades indígenas, o futuro dos jovens indígenas, perda e esquecimento da língua, povos isolados e parques nacionais, movimento indígena nos três países e grandes obras de infra-estrutura.