As organizações indígenas e indigenistas que compõem a Rede de Cooperação Alternativa – RCA vêm a público manifestar seu espanto, indignação e repúdio com a edição da Portaria 303, elaborada pela Advocacia Geral da União e publicada no Diário Oficial em 16 de julho de 2012.
A Portaria da AGU tem a intenção de tornar regra para os órgãos da Administração Pública Federal direta e indireta sua interpretação sobre as condicionantes incluídas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito na decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o caso da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR), em 2009. Pela Portaria, terras indígenas já demarcadas não poderão ser revistas. Empreendimentos como abertura de estradas e construção de hidrelétricas, assim como instalação de unidades militares, poderão ser realizados independentemente de consulta às populações indígenas afetadas quando tais empreendimentos forem considerados “estratégicos” pelo Ministério da Defesa e pelo Conselho de Defesa Nacional. Terras Indígenas e áreas de conservação sobrepostas deverão ficar sob administração do ICMBio, “ouvidas” as comunidades indígenas.
Nosso espanto diz respeito ao fato de que as condicionantes impostas pelo Ministro Menezes Direito no caso Raposa Serra do Sol não foram definidas pelo STF como de aplicação geral, não havendo, até o momento, uma decisão final sobre o assunto e não tendo o STF se pronunciado ainda sobre os pedidos de esclarecimentos feitos após o julgamento de 2009. Ainda assim, a AGU decide torná-las fato consumado e impõe sua leitura e interpretação das mesmas, antecipando-se à decisão final do STF.
Nossa indignação diz respeito ao fato de que o Governo brasileiro iniciou um processo junto a representantes indígenas e quilombolas para regulamentar o direito de Consulta Prévia, Livre e Informada, dispositivo constante da Convenção 169 -ratificada pelo Brasil e com força de lei- e a AGU atropela o processo afirmando que determinadas medidas não serão objeto de consulta às populações diretamente afetadas, em claro descompasso e desconsideração com a legislação vigente.
Nosso repúdio diz respeito à arbitrariedade e autoritarismo da Portaria, que sinaliza um evidente retrocesso na garantia dos direitos indígenas, tolhendo prerrogativas constitucionais. Consideramos inadmissível e escandaloso que um órgão como a AGU busque, por meio de uma portaria, restringir os direitos indígenas que foram consagrados na Constituição de 1988 e que constam em instrumentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário e se comprometeu a respeitar.
Pelo grau de explícita maldade, por seus equívocos jurídicos, pelo seu autoritarismo, por seu sentido contrário à participação democrática e por, acintosamente, buscar a restrição de direitos constitucionais, solicitamos à Presidente da República, que exija a imediata revogação desta Portaria e recomende à Advocacia Geral da União que aguarde a manifestação da Suprema Corte do país sobre o alcance das condicionantes estabelecidas, quando do julgamento da Raposa Serra do Sol.
São Paulo, 20 de julho de 2012.
Associação Terra Indígena Xingu – Atix
Associação Wyty-Catë dos Povos Timbira do MA e TO
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Comissão Pró-Índio do Acre – CPI-AC
Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – Foirn
Hutukara Associação Yanomami – HAY
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Instituto Socioambiental – ISA
Organização dos Professores Indígenas do Acre – Opiac