O Iepé promoveu, de 08 a 10 de outubro de 2014, no Centro Diocesano, em Macapá, o I Encontro de Mulheres Indígenas do Amapá e norte do Pará sobre gestão territorial. Participaram cerca de 50 mulheres representantes dos povos Wajãpi, Tiriyó, Katxuyana, Apalai, Wayana, Karipuna, Galibi e Palikur.
Esse I Encontro foi palco de várias primeiras experiências, tanto para as mulheres indígenas que participaram, quanto para o Iepé que, pela primeira vez promoveu uma reunião em âmbito regional desse tipo: envolvendo apenas mulheres, indígenas e não indígenas no público e na condução dos trabalhos; abordando uma temática (gestão territorial em TIs) predominantemente discutida em reuniões e atividades onde os homens tomam à frente publicamente; trazendo à tona barreiras como dificuldades com a língua portuguesa e timidez para falar em público; e experimentando um novo recurso: a facilitação gráfica. Tudo isso fez desse Encontro uma ocasião cheia de novidades e desafios para todas, participantes e organizadoras.
Um dos principais desafios no planejamento e condução das atividades foi dosar o tempo necessário à interação e maior entrosamento entre as participantes com a perspectiva de avançar dia-a-dia, visando resultados mais propositivos, para além da troca de experiências nos grupos e nas plenárias. Em linhas gerais o Encontro contou com três perguntas norteadoras, uma para cada dia, sendo que nos dois primeiros dias as participantes foram reunidas em 4 grupos organizados por região (Oiapoque, Wajãpi, Tumucumaque Leste e Tumucumaque Oeste). E apenas para o 3º dia avaliou-se que fosse possível formar 5 grupos mistos compostos por representantes dessas quatro regiões.
No primeiro dia do Encontro, voltado à reflexão sobre a vida na aldeia, cada participante teve oportunidade de compartilhar seu dia-a-dia na sua aldeia, primeiro com as moradoras da mesma região, e ao final do dia com o grande grupo, em plenária, quando explanaram sobre a divisão de trabalhos entre mulheres e homens; cuidados com alimentação e resguardos, se ainda praticam ou não e o por quê, também discutiram nessa plenária cuidados com suas plantações, trocaram experiências sobre técnicas de plantio nas roças; cuidados com suas crianças, etc. Ao fim desse primeiro dia comentaram que até pouco tempo “a voz da mulher era o homem”, e que ainda existe resistência de alguns maridos quanto à participação de suas mulheres em encontros desse tipo.
No segundo dia, cada grupo incumbiu-se de preparar uma apresentação de sua região sob dois aspectos: descritivo (quantas pessoas, quantas aldeias, associações, infra-estrutura, etc.) e diagnóstico (o que está bom e o que não está bom). Sob o aspecto descritivo foram apresentadas as seguintes informações por Terra Indígena: quantas aldeias; quantos povos; quantas pessoas; quantas associações indígenas; como se chega nas aldeias de cada TI; como está organizada a saúde; como está organizada a educação; e, por fim, o que está bom e o que não está bom em cada Terra Indígena. Como aspectos positivos foram destacados, em plenária, os direitos garantidos pela Constituição à terra, saúde diferenciada, educação diferenciada, e à preservarem suas especificidades culturais e práticas tradicionais. Já, em relação aos aspectos negativos, em primeiro lugar, foi manifestado o fato de que, na prática, tais direitos não estão sendo devidamente cumpridos; em segundo lugar, foram problematizados aspectos ligados à educação, saúde, transporte tais como: despreparo dos profissionais de saúde não-índios para o trabalho com índios; falta de capacitação para os Agentes Indígenas de Saúde; baixa qualidade da educação nas escolas das aldeias, causando a saída cada vez maior de alunos indígenas para estudarem na cidade; pragas nas roças de algumas aldeias, principalmente nas maiores e mais antigas, assim como maior dificuldade de caça e pesca nesses lugares. Em função disso, algumas mulheres relataram sua experiência, de morarem em aldeias menores e mais próximas dos limites de suas TIs, como forma de garantirem melhor qualidade de vida e proteção territorial.
Por fim, no terceiro dia, saindo dos grupos entre si e participando de grupos ‘misturados’, as mulheres foram convidadas a contar umas para as outras o que observam que vem sendo feito em suas regiões no que diz respeito à gestão territorial, em que medida participam ou não, e como pensam que poderia ser sua participação daqui para frente. Em relação ao que vem sendo feito apontaram dentre várias coisas a mobilização e organização das mulheres, cuidados com o uso de recursos naturais para não acabarem no futuro; manejo de açaí e bacaba; cultivo de banana, mel; controle e manejo de caça e pesca, por meio de acordos tais como a proibição de caça perto das aldeias. E em relação ao que pensam sobre sua participação daqui em diante apontaram a necessidade de maior envolvimento não apenas pela participação, mas falando e se posicionando em público, seja dentro de suas próprias aldeias, seja participando de encontros e movimentos mais amplos em defesa dos direitos dos povos indígenas.
O encontro teve a moderação de Marina Minari, facilitação gráfica conduzida por Érica Bettiol, e foi conduzido pelas coordenadoras do Iepé Ana Paula Nóbrega (Programa Oiapoque), Denise Fajardo (Programa Tumucumaque) e Lúcia Szmrecsányi (Programa Wajãpi). Lucia Hussak, da diretoria do Iepé, também participou do encontro, acompanhando as discussões das mulheres wayana e aparai. Esse primeiro encontro contou com apoio da Embaixada da Noruega, Rainforest Foundation Noruega e Fundação Moore.