Articulação entre os povos indígenas do Amapá e Norte do Pará alcança vitória contra pressões minerárias

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Com as discussões do Projeto de Lei n. 1610/1996, que trata da mineração em terras indígenas, avançando no Congresso Nacional, lideranças Wajãpi estavam preocupadas com os registros de interesse em pesquisa e lavra garimpeira e minerária dentro de sua terra demarcada, existentes no Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.

Mesmo sendo informadas de que havia um bloqueio administrativo de 2002 que impedia que a autarquia recolhesse novos registros de interesse, as lideranças Wajãpi sentiram-se agredidas em seu direito de impedir a mineração dentro de sua terra demarcada, por considerar que a existência desses registros nos DNPM representa ameaças devido ao fato de que poderiam ser utilizados pelas empresas como uma espécie de fila, caso o referido Projeto de Lei fosse aprovado. A agressão política e simbólica representada pelos registros mobilizou o Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina, que promoveu diversas reuniões para tratar do assunto, nas quais o consenso em favor da anulação dos registros foi pleno. Em 2012, elaboraram uma Carta Aberta repudiando a existência de tais registros.

Mediante articulação com o Ministério Público Federal, o Procurador da República, José Cardozo Lopes agendou uma reunião na sede do MPF, com a presença de Antônio da Justa Feijão, superintendente do DNPM em Macapá. O representante do órgão afirmou, na ocasião, que, diante da pressão exercida pelo Apina, e endossada pelo 1º Ofício, seria possível anular os registros, mediante iniciativa do MPF.

Começou, assim, um processo de articulação entre os povos indígenas da região: a pedido do Apina, o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), a Associação dos Povos Indígenas Wayana e Aparai (Apiwa) e a Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Katxuyana e Txikuyana (Aptikatxi) produziram documentos endossando a demanda do Apina e solicitando a anulação dos registros também dentro de suas terras indígenas. Uma Ação Civil Pública foi elaborada contendo a demanda de todos os povos indígenas do Amapá e norte do Pará pedindo a anulação de todos os requerimentos que incidiam nas terras indígenas da região. Mantendo o intenso diálogo com o Ministério Público Federal, o Apina, assessorado pelo Iepé, participou de todas as etapas da redação da Ação Civil Pública contra o DNPM,  que exige a  anulação dos registros por ferirem direitos, e lastreada jurisprudencialmente pelo fato de que, bloqueados, nenhum valor exercem. Quatro Procuradores assumiram a redação da ACP e seus encaminhamentos, sucessivamente, do Dr. José Cardoso Lopes até o Dr. Thiago Cunha, passado pelos procuradores Almir Teubl e Luís de Camões Boaventura.

Submetida à julgamento em 1ª Instância, a ACP foi indeferida pelo juiz federal João Bosco. O MPF, então, recorreu do julgamento, em 2ª instância. Nesse período, decisão judicial de Roraima (1ª instância) gerada por processo semelhante, obteve êxito, subsidiando a ACP do Amapá e Oeste do Pará com a necessária jurisprudência. Em janeiro de 2015, por fim, a Ação Civil Pública foi julgada procedente, em segunda instância, dando ganho de causa às populações indígenas do Amapá e Norte do Pará contra a existência de registros de interesse em pesquisa e lavra garimpeira e minerária dentro de suas terras demarcadas como um todo.

A Justiça Federal determinou a anulação de requerimentos de pesquisa mineral, permissão e concessão de lavra mineral em áreas indígenas do Estado. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) também deve indeferir de imediato requerimentos que venham a ser protocolados com o mesmo objetivo. O descumprimento da sentença sujeita o DNPM ao pagamento de multa de R$ 50 mil por processo administrativo – são mais de 500 em trâmite na autarquia.

Ao aceitar os argumentos das organizações indígenas, endossado pelo MPF, a Justiça Federal declarou: “A Constituição Federal/88 garante a posse permanente aos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam e o direito de usufruto exclusivo sobre os recursos naturais nelas existentes”. Segundo a sentença proferida pelo Juiz Federal Rodrigo Parente Bentemuller, da 6ª Vara Federal, “a exploração de riquezas minerais existentes em terras indígenas somente poderá vir a ocorrer legalmente após autorização do Congresso Nacional e oitiva das comunidades afetadas”. Dessa forma, a Justiça Federal enfatiza: “Levando em conta (…) que a atividade minerária em terras indígenas depende de prévia regulamentação de nosso ordenamento jurídico, qualquer direito minerário que paire sobre estas áreas deve ser reconhecido como ilegal”.

Segundo o Ministério Público Federal,  o DNPM deveria ter anulado todos os processos minerários iniciados em Terras Indígenas antes de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. Na autarquia há procedimentos com mais de 20 anos sem qualquer decisão, mesmo havendo um bloqueio administrativo (ainda que tardio) de 2002, que proibiu o registro de novos interesses em pesquisa e lavra, garimpeira e minerária, dentro de terras indígenas. O fato de ter mantido os registros posteriores à promulgação da Constituição Federal, e ao bloqueio administrativo, demonstra que a autarquia pode ter servido a interesses políticos e econômicos, uma vez que é possível depreender que manteve os registros aguardando nova legislação que permitisse a exploração garimpeira e minerária dentro das terras indígenas – o que viola o ordenamento jurídico.

O ganho de causa quanto à anulação dos registros torna evidente a capacidade das organizações indígenas para influenciar a legislação, salvaguardando seus direitos e garantidas fundamentais mediante o exercício de sua cidadania, com apoio do Ministério Público Federal. De acordo com Bruno Caporrino, assessor do Iepé: “A articulação entre os povos indígenas da região, e destes com o Ministério Público Federal,  demonstra o poder das populações indígenas contra agressões à seus direitos, face ao contexto negativo hoje vivenciado, em que seus direitos e garantias fundamentais vem sendo questionados mediante iniciativas que tramitam no Congresso Nacional. Sem essas articulações, a iniciativa da ACP não obteria tal êxito, o que reforça a necessidade de ações nesse sentido, pautadas pelo fortalecimento das associações indígenas e pelo contínuo processo de formação para que se apropriem de seus direitos e deveres, conheçam a legislação e o funcionamento do Estado, e, assim, possam influenciar políticas públicas”.

Veja também:

https://www.institutoiepe.org.br/2012/10/liderancas-wajapi-reivindicam-anulacao-de-registros-de-interesse-de-mineracao/

http://6ccr.pgr.mpf.mp.br/atuacao-do-mpf/acoes-coordenadas-1/dia-do-indio/docs_dia-do-indio/2012-0000835-35-ats-acp-mineracao-terras-indigenas

http://www.prrr.mpf.mp.br/noticias/29-09-14-a-pedido-do-mpf-rr-justica-federal-determina-indeferimento-dos-pedidos-de-exploracao-mineral-em-terras-indigenas

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