Declaração à Assembleia Geral da ONU solicita que governo brasileiro respeite os direitos indígenas

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Uma coalizão de 58 entidades civis brasileiras e internacionais, incluindo o Iepé e a RCA, apresentaram nesta quarta-feira, 24 de junho de 2014, uma declaração à Assembleia Geral da ONU, solicitando ao governo brasileiro o respeito pelos direitos indígenas e garantias da independência do judiciário. A declaração detalha a ausência de consulta prévia no caso de Belo Monte e barragens na bacia do Tapajós, em contraste com as determinações da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT, enquanto a Suspensão de Segurança tem permitido que as obras prossigam, apesar destas violações.

A declaração foi apresentada por ocasião da 29ª Reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que ocorre em Genebra na Suíça. Num evento paralelo, intitulado “Barragens e Consulta Indígena: propostas concretas para deter violações de direitos na Amazônia brasileira” o líder indígena Ademir Kaba Munduruku denunciou o agravamento de abusos de direitos indígenas pelo governo brasileiro na sua corrida para construir uma quantidade sem precedentes de hidrelétricas na Amazônia. Grande parte de sua crítica teve como enfoque as repetidas violações dos direitos dos povos indígenas a processos de consulta e consentimento livre, prévio e informado sobre barragens que teriam consequências devastadoras para seus territórios e meios de vida. Também participou do evento o Procurador da República Felício Pontes Jr., do Ministério Público Federal no Estado do Pará, que criticou tanto a falta de consultas prévia como a utilização de um mecanismo jurídico conhecido como “Suspensão de Segurança” que permite aos presidentes de tribunais, a pedido do governo, suspender indefinidamente decisões judiciais em favor dos direitos dos povos indígenas, com base em alegações de supostas ameaças à segurança nacional.

Leia a Declaração:

Barragens hidrelétricas e violações do direito dos povos indígenas a processos de consulta e consentimento livre, prévio e informado na Amazônia Brasileira

Na sua corrida para construir um número sem precedentes de barragens para usinas hidrelétricas nos principais rios da Amazônia, o governo brasileiro tem violado repetidamente acordos internacionais sobre os direitos humanos, dos quais o país é signatário, como é o caso da Convenção 169 da OIT que trata do direito dos povos indígenas e tribais a processos de consulta e consentimento livre, prévio e informado (CLPI). Com a intensificação destas violações, as consequências humanas e ambientais desastrosas de barragens têm se tornado cada vez mais visíveis. Este comunicado oferece uma breve atualização das violações do direito dos povos indígenas à consulta prévia e ao CLPI sobre projetos hidrelétricos na Amazônia Brasileira, destacando o complexo hidrelétrico de Belo Monte no rio Xingu e uma série de grandes barragens, planejadas e em construção, na bacia do Tapajós.

No Brasil, as violações sistemáticas do direito dos povos indígenas a processos de consulta e CLPI no planejamento, licenciamento e construção de barragens na Amazônia são predominantemente o resultado da: 1) a ausência de uma posição coerente do governo brasileiro sobre como o direito dos povos indígenas ao CLPI, conforme determinado pela Convenção 169 da OIT (ratificada em 2002) e pela Constituição Brasileira deve ser aplicado a barragens hidrelétricas e outros projetos semelhantes que afetem diretamente territórios e meios de vida dos povos indígenas; e 2) a disponibilidade do governo brasileiro em comprometer o Estado de Direito e as instituições democráticas, cedendo a interesses poderosos de uma antiga aliança entre o Ministério de Minas e Energia (MME), partidos políticos e grandes empreiteiras. Como demonstrado pelas investigações recentes conduzidas pela Polícia Federal e Procuradores da República, esta aliança está intimamente ligada a grandes esquemas de corrupção.

O planejamento e o licenciamento de barragens hidrelétricas na Amazônia Brasileira têm sido caracterizados por: a) a utilização de estudos de inventário hidrelétrico de bacias, conduzidos pelo MME e empresas privadas, que se focam somente na identificação de sítios com o potencial máximo para a geração de energia – independentemente das consequências socioambientais de projetos individuais e de cascatas de barragens – como base para decisões políticas sobre a construção de barragens, sem qualquer processo de consulta e consentimento livre, prévio e informado; b) estudos de impacto ambiental e de viabilidade econômica conduzidos por empreendedores, com resultados tendenciosos, c) a negação da existência de impactos a jusante das barragens, inclusive como meio para justificar a ausência de processos de CLPI; d) a manipulação política de instituições responsáveis pela proteção ambiental para aprovar licenças ambientais, e e) a falta de monitoramento independente dos impactos de barragens e da implementação de medidas obrigatórias de mitigação e compensação.

Um caso exemplar do desrespeito do governo brasileiro aos direitos dos povos indígenas no contexto de planejamento, licenciamento e construção de barragens é o repetido uso do artifício conhecido como “Suspensão de Segurança”, o qual permite que, a pedido do Governo Federal, os presidentes de tribunais possam suspender unilateralmente decisões legais a favor do direito dos povos indígenas com base em supostas ameaças à segurança nacional e à “ordem social e econômica” do país. De acordo com a atual legislação, o mecanismo de “Suspensão de Segurança” continua em vigor até à última fase possível de recursos, permitindo que a construção de uma barragem se torne um fato consumado, enquanto sérias violações de direitos humanos permanecem. Como foi denunciado por organizações da sociedade civil e especialistas jurídicos, a Suspensão de Segurança constitui um obstáculo ao cumprimento pelo Brasil de acordos internacionais de direitos humanos, como a Convenção169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007.

 

Belo Monte

O complexo hidrelétrico de Belo Monte, em construção desde meados de 2011 no rio do Xingu, um dos principais afluentes na Amazônia, é um dos exemplos mais notórios mundialmente de um megaprojeto hidrelétrico que envolve o desrespeito flagrante tanto pela legislação nacional como por acordos internacionais de direitos humanos e proteção ambiental. Desde 2001, Belo Monte tem sido o objeto de nada menos do que vinte Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Publico Federal (MPF).

Em 2006, o MPF entrou com uma ação civil pública questionando a aprovação do Decreto Legislativo no. 788/2005 pelo Congresso Nacional, o qual autoriza a construção de Belo Monte sem consulta prévia aos povos indígenas atingidos, conforme o artigo 231 da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT. Em Agosto de 2012, o Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF-1) decidiu sobre o mérito do caso e suspendeu o Decreto 788 e a construção de Belo Monte.  Numa questão de dias, a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Brito, então de saída,  suspendeu unilateralmente a decisão do tribunal, através do uso da Suspensão de Segurança, ignorando os argumentos sobre o mérito do caso e adiando a sentença final.  Desde então, o STF tem deixado de considerar os pedidos do MPF para reconsiderar a referida decisão.

Em Novembro de 2010, uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileiras e internacionais entrou com uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para chamar a atenção à ausência de consulta prévia entre os povos indígenas afetados por Belo Monte, bem como ameaças a grupos em isolamento voluntário.  Em Abril de 2011, a Comissão emitiu medidas cautelares (MC 382-2010), solicitando ao governo brasileiro que se abstivesse de iniciar a construção de Belo Monte até à conclusão de um processo de CLPI junto a povos indígenas locais, e que se adotasse ações especiais para assegurar a integridade física de grupos em isolamento voluntário.  A resposta do governo brasileiro foi uma negação agressiva da possibilidade de violação de direitos indígenas e a recusa em implementar as medidas cautelares. Além disto, a administração de Dilma Rousseff questionou a autoridade da CIDH em tomar tal ação, mantendo refém as contribuições financeiras do Brasil à OEA em retaliação.

Tapajós

A bacia do Tapajós, ao oeste do Xingu, é uma região imensa, de diversidade biológica e cultural incomparáveis.  Também é o foco principal dos planos ambiciosos da administração Rousseff para construir  barragens na Amazônia em rota de colisão com territórios indígenas e outras áreas protegidas.

No caso da hidrelétrica do São Luiz do Tapajós, a maior hidrelétrica planejada na bacia do Tapajós, em Setembro de 2012, o MPF no Estado do Pará (MPF-PA) entrou com uma ação civil pública, exigindo um processo de CLPI junto aos povos indígenas ameaçados, antes da concessão de uma Licença Prévia para o empreendimento. A ação também exigiu avaliação de impactos cumulativos da UHE São Luiz do Tapajós, junto com outros empreendimentos previstos em cascatas de barragens no rio Tapajós e num de seus afluentes, o rio Jamanxim.  Após a ação receber uma liminar favorável de um juiz federal em Novembro de 2012 – ratificada pelo STJ em Abril de 2013 – o Secretário-Geral da Presidência da República anunciou que iria coordenar um processo de consulta junto ao povo Munduruku, ameaçado diretamente pela barragem de São Luiz do Tapajós e por outras barragens planejadas no rio Tapajós.  Paradoxalmente, o Secretário-Geral, Ministro Gilberto Carvalho, declarou simultaneamente que o processo de consulta com os Munduruku não impediria os planos do governo de construir a barragem de São Luiz do Tapajós e outras hidrelétricas previstas.

Enquanto isso, conforme previsto na legislação, o povo Munduruku preparou um “protocolo” sobre os procedimentos a serem adotados de modo a assegurar um processo culturalmente apropriado de consulta e consentimento livre, prévio e informado. Em Janeiro de 2015, o protocolo foi entregue pessoalmente ao recém-empossado Secretário Geral da Presidência, Miguel Rossetto; entretanto, até o momento, ainda falta receber uma resposta formal do governo. Em Abril de 2015, o recém-indicado Ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, declarou publicamente que se considera “um amigo do povo Munduruku” e que o leilão da barragem hidrelétrica do São Luiz do Tapajós iria decorrer em Novembro de 2015, o que provocou forte resposta por parte do povo Munduruku.

No rio Tele Pires, um dos afluentes principais do Tapajós, a construção de uma cascada de quatro grandes hidrelétricas, sem prévia consulta aos povos indígenas afetados, tem criado uma situação explosiva. Em abril de 2015, uma aliança de quatro etnias indígenas locais (Apiaká, Kayabi, Munduruku e Rikbaksta) acusou o governo brasileiro de estar iniciando um processo de genocídio cultural e físico.

 Conclamamos ao governo brasileiro que:

  • Cumpra com os seus compromissos internacionais relativos aos direitos humanos e implemente um processo culturalmente apropriado de CLPI.
  • Respeite a independência do judiciário e que elimine o uso da “Suspensão de Segurança” para inviabilizar decisões legais favoráveis ao direito dos povos indígenas ao CLPI.

As nossas organizações apelam ao Conselho dos Direitos Humanos para requerer informações ao Estado e para monitorar de perto as violações de direitos indígenas relacionadas à construção de barragens na Amazônia Brasileira, através dos mecanismos aplicáveis, incluindo visitas de campo para conhecer comunidades impactadas e membros do Ministério Público, tomando as ações de seguimento necessárias:

  • Relator Especial para os Direitos dos Povos Indígenas
  • Relator Especial sobre o Direito à Água Potável e ao Saneamento
  • Relator Especial para a Independência dos Juízes e Advogados
  • Grupo de Trabalho sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos

Brasil/América Latina:

  1. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
  2. Articulação Antinuclear Brasileira
  3. Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
  4. Asociación Ambiente y Sociedad – Colombia
  5. Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente – AIDA
  6. Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania
  7. Coletivo de Mulheres – Altamira (PA)
  8. Comissão Justiça e Paz da Diocese de Santarém
  9. Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
  10. Comissão Pró-Índio (São Paulo)
  11. Consejo Indio de Sud América – CISA
  12. Conselho Indigenista Missionário – CIMI
  13. Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP
  14. Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
  15. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social – FMCJS
  16. Fórum em Defesa de Altamira
  17. Fundação Tocaia
  18. Fundación M´Biguá, Ciudadanía y Justicia Ambiental. Paraná, Entre Ríos, Argentina.
  19. Greenpeace Brasil
  20. Grupo Sementes
  21. Instituto Amazônia Solidária – IAMAS
  22. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
  23. Instituto de Pesquisa e Formação Indígena –Iepé
  24. Instituto Madeira Vivo – IMV
  25. Instituto Pan Americano do Ambiente e Sustentabilidade – IPAN
  26. Instituto Socioambiental – ISA
  27. Instituto Transformance: Cultura e Educação (Pará)
  28. Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA
  29. Movimento Negro
  30. Movimento Tapajós Vivo
  31. Movimento Xingu Vivo Para Sempre
  32. Mutirão Pela Cidadania
  33. Operação Amazônia Nativa – OPAN
  34. REBRIPP
  35. Rede Brasileira de Arteducadores – ABRA
  36. Rede de Cooperação Amazônica – RCA
  37. Rede de Mulheres Empreendedoras Rurais da Amazônia – RMERA
  38. Terra de Direitos
  39. Uma Gota no Oceano

Internacional:

  1. Amazon Dams Network, Tropical Conservation and Development Program, UF Gainesville
  2. Amazon Watch, USA
  3. CounterCurrent, Germany
  4. CSF – Conservation Strategy Fund
  5. DKA – Hilfswerk der Katholischen Jungschar, Austria
  6. ECA Watch, Austria
  7. FDCL – Forschungs- und Dokumentationszentrum Chile-Lateinamerika, Germany
  8. GITPA, France
  9. Infoe (Institut für Ökologie und Aktionsethnologie e.V.), Germany
  10. Interamerican Association for Environmental Defense – AIDA
  11. International Rivers, USA
  12. Kooperation Brasilien e.V., Germany
  13. Planète Amazone, France
  14. Pro REGENWALD, Germany
  15. Rainforest Foundation, USA
  16. River Watch, Austria
  17. Saka Mese Nusa AlifURU Foundation, Holland
  18. Society for Threatened Peoples, Switzerland
  19. Welthaus, Austria

Versão em inglês disponível em: http://amazonwatch.org/assets/files/2015-un-statement-on-violations-of-indigenous-peoples-rights-in-brazil.pdf

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