Assembleia Local de Oiapoque da I Conferência Nacional de Política Indigenista

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Entre os dias 16 e 18 de julho representantes indígenas das regiões dos rios Curipi, Uaçá, Urukauá, Oiapoque e da BR-156, das organizações indígenas, da comissão organizadora regional Amapá e Norte do Pará e de instituições parceiras (FUNAI, CNPI, SEPI, SEMAI, Iepé, CIMI e UNIFAP) reuniram-se na aldeia Espírito Santo para realizar a etapa local da I Conferência Nacional de Política Indigenista. Denominado Assembleia Local, este encontro contou com 280 participantes, a maioria indígenas.

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O primeiro dia foi dedicado ao nivelamento de informações e apresentação da proposta metodológica construída pela subcomissão organizadora de Oiapoque com o auxílio de Pe. Nello Ruffaldi (CIMI) e Ana Paula Fonte (Iepé). Foram feitas apresentações introdutórias sobre o que é uma conferência e os objetivos da I Conferência Nacional (Joenes Pereira, CTL 4 – FUNAI Oiapoque e Simone Vidal, FUNAI CRANP / CNPI), linha do tempo da política indigenista no Brasil (nos níveis local, regional e nacional, ministradas pelo cacique Luciano dos Santos, Sérgio dos Santos, coordenador da OINAK – Organização Indígena da Aldeia Kumarumã e presidente do CONDISI – AP e Simone Vidal, respectivamente). Por fim foi feita a leitura do regimento da etapa local e pactuado o acordo de convivência.

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O segundo dia e a manhã do terceiro foram dedicado às discussões em grupo, apresentações e validações em plenária sobre os temas Educação, Saúde e Território/Meio Ambiente, tendo sido o tema formação/capacitação tratado de maneira transversal em todos eles. Para a assembleia de Oiapoque optou-se pela realização de uma etapa prévia de consulta, realizada nas semanas que antecederam a etapa local (com o apoio das organizações indígenas, da Funai e do Iepé), com base em um roteiro de seis perguntas e que versam sobre a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas à luz da Constituição Federal, tema central da Conferência Nacional. O objetivo da metodologia construída pela subcomissão foi utilizar o espaço da etapa local para ampliar a voz das aldeias, permitindo com a consulta prévia uma dinamização das apresentações e do debate entre as comunidades sobre a temática da política indigenista, de maneira compreensível e participativa.

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Com base nas apresentações dos grupos e discussões em plenária foi redigida a Carta da Aldeia Espírito Santo, documento final desta etapa, que deverá compor com os demais documentos finais das etapas locais do Amapá e Norte do Pará o caderno de proposições a ser discutido na etapa regional, agendada para a última semana de agosto em Macapá.

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CARTA DA ETAPA LOCAL DA I CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICA INDIGENISTA

POVOS INDÍGENAS DE OIAPOQUE

ALDEIA ESPÍRITO SANTO, 18 DE JULHO DE 2015

Nós, Povos Indígenas do Oiapoque, Karipuna, Galibi Marworno, Galibi Kali´na e Palikur, reunidos entre os dias 16 e 18 de julho de 2015 na etapa local da I Conferência Nacional de Política Indigenista, realizada na aldeia Espírito Santo, discutimos vários temas relacionados aos nossos direitos e interesses.

Desde os anos 1970 iniciamos nosso processo de organização política, com a realização de grandes assembleias. Num primeiro momento as discussões tinham ênfase na demarcação e homologação de nossas terras, saúde e educação. Com uma organização cada vez mais consolidada os Povos Indígenas do Oiapoque obtiveram várias conquistas para suas comunidades. Destacamos as primeiras: Ensino do Mobral – Alfabetização de adultos, luta contra o Decreto de Emancipação, participação de representantes no Conselho do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e em Assembleias Indígenas Nacionais. Nesse período também iniciou-se os processos de demarcação das Terras Indígenas Galibi (1976), Uaçá (1977) e Juminã (1986), que atualmente estão todas demarcadas e homologadas, entretanto necessitam de proteção territorial.

As discussões das duas próximas décadas foram bastante focadas na área da educação, com o início do processo da escrita da língua kheuol e implantação do supletivo para conclusão do ensino fundamental, culminando na realização de um concurso específico para a contratação de professores indígenas. Naquela época o Governo Brasileiro não reconhecia as aulas em línguas indígenas. Esse período foi de grande importância para os povos indígenas do Brasil, que através de seu movimento indígena, conquistaram que seus direitos fossem reconhecidos pela Constituição Federal de 1988. Em 2007, através da luta do movimento indígena, encabeçada pelos caciques e pela Organização dos Professores Indígenas do Município de Oiapoque, teve início a implementação do curso de Licenciatura Intercultural Indígena no Campus Binacional da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. A preocupação com a valorização de nossa cultura culminou em outra conquista neste mesmo ano: a inauguração do Museu Kuahí dos Povos Indígenas do Oiapoque.

No que tange ao processo de consolidação de um atendimento específico às questões de saúde, destacamos como vitórias a implantação de pólos-base de atendimento nas grandes aldeias e da CASAI Oiapoque, a garantia de existência de profissionais indígenas desta área, a valorização da importância do trabalho das parteiras, a realização do concurso da SESAI para a região do Amapá e Norte do Pará e fortalecimento das instâncias de controle social, especificamente a criação do Conselho Distrital de Saúde Indígena – CONDISI.

Durante 10 anos a Administração Executiva Regional de Oiapoque da FUNAI esteve sob a gestão de indígenas. Apesar de todas as dificuldades, nesse período o diálogo com esta instituição era bastante estreito e constante. Por esse motivo o fim da AER Oiapoque e dos Postos Indígenas, no âmbito do processo de reestruturação da FUNAI a partir de decreto da Presidência da República em 2009 é tido por nós como um retrocesso. Por conseguinte, reivindicamos a criação de uma Coordenação Regional da FUNAI em Oiapoque, possibilitando uma gestão financeira local para melhor atuação do órgão indigenista.

Por duas décadas, entre os anos 1990 e 2010 passamos, com o apoio de organizações parceiras, por processos importantes de discussão, consolidação e sistematização participativos de planejamentos de futuro, reconhecidos e valorizados dentro e fora do país nas áreas de educação, saúde, território, atividades produtivas e meio ambiente, cultura e movimento indígena, consolidados em documentos intitulados “Plano de Vida” e “Programa de Gestão Territorial e Ambiental”, que orientam as políticas e ações do Estado para com os povos indígenas e propõem diretrizes estratégicas para a construção de políticas públicas indigenistas.

Apesar de toda a luta que os povos indígenas tiveram em garantir seus direitos previstos na Constituição Federal, hoje esses direitos que foram conquistados estão sendo ameaçados e violados pelo Congresso Nacional e pelo enfraquecimento da política indigenista. Preocupados com estas ameaças e entendendo este momento como oportunidade única de expor nossa visão de forma crítica e propositiva, debatemos durante três dias em assembleia, que reuniu aproximadamente 300 indígenas, os temas que consideramos mais relevantes e que ora apresentamos de maneira organizada.

A RELAÇÃO DO ESTADO COM OS POVOS INDÍGENAS E O PAPEL DA FUNAI

 A FUNAI é o órgão indigenista oficial responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas em todo território nacional. Sua criação, substituindo o SPI, no contexto da ditadura militar, no entanto, buscava integrar os povos indígenas à sociedade nacional, com objetivo de expansão política e econômica, de maneira pouco ou nada comprometida com os povos indígenas. Sua consolidação nestas bases, ainda hoje têm sequelas na maneira como a política indigenista vêm sendo executada pelo Estado Brasileiro e vivenciada pelas comunidades indígenas, apesar da mudança de concepção experimentada após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por esse motivo, fazemos as seguintes proposições:

  • Respeito aos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que assegura o reconhecimento da organização social dos povos indígenas, seus costumes, línguas, crenças, tradições e direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
  • Aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas, em substituição à versão vigente, de 1973, que não considera os direitos assegurados constitucionalmente.
  • Respeito aos povos indígenas, seus modos de vida, culturas e especificidades. Repudiamos quaisquer atos de discriminação, preconceito, criminalização, violência e quaisquer violações de direitos contra os povos indígenas, oriunda dos aparelhos estatais e da sociedade como um todo.
  • Respeito à Legislação Indigenista Nacional e Internacional. Garantia ao direito de consulta prévia, livre e informada previsto na Convenção 169 da OIT sobre qualquer ação que envolva os interesses das comunidades.
  • Acompanhamento, por parte da FUNAI, da política indigenista como um todo. A FUNAI tem a obrigação de cobrar e assegurar o direito de consulta dos povos indígenas.
  • Participação das lideranças indígenas na formulação de atividades, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, com o apoio da FUNAI e das secretarias dos povos indígenas.
  • Queremos que seja lotado um procurador federal para atender as demandas da Coordenação Regional do Amapá e Norte do Pará – FUNAI.
  • Queremos a desburocratização do acesso aos recursos do Governo Federal específicos para povos indígenas nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e cultura.
  • Apoiamos a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.

EDUCAÇÃO

  • Implantar programas de formação continuada de professores de nível fundamental e em licenciatura intercultural indígena;
  • Oferta de cursos específicos em nível de licenciatura, bacharelado, especialização e pós-graduação por parte das instituições de ensino superior, com garantia de valorização das línguas indígenas em todos eles.
  • Garantir legalmente a possibilidade de optar pela língua materna nos processos seletivos de mestrado e doutorado em instituições de ensino superior, através de processos diferenciados.
  • Avaliar a matriz curricular dos cursos superiores específicos interculturais existentes, com ênfase no conteúdo pedagógico.
  • Garantir o acesso dos indígenas às cotas estudantis de forma específica e diferenciada.
  • Ampliar a oferta de cursos específicos para indígenas em outras áreas de conhecimento. Implantar outros espaços de formação diferenciados e específicos para povos indígenas, como escolas técnicas agrícolas.
  • Realizar concursos públicos para todos os profissionais nos diferentes níveis de formação para a educação escolar indígena, como professores, pedagogos, merendeiras, serventes entre outros.
  • Promover a elaboração dos Projetos Políticos-Pedagógicos de forma diferenciada e específica com a participação das comunidades, garantindo a construção de programas educacionais e regimentos de instituições de ensino em diversos níveis que valorizem a cultura dos povos indígenas, possibilitando enxergar toda a Terra Indígena/Território como “sala de aula”.
  • Promover a construção de espaços de ensino adequados e equipados de acordo com a realidade e necessidades de cada povo, visando garantir a educação específica e diferenciada. É preciso construir escolas indígenas respeitando o modelo especificado por cada comunidade.
  • Reconhecer os currículos indígenas específicos como garantia de autonomia das escolas.
  • Apoiar a produção e publicação de materiais didáticos específicos e diferenciados para cada povo.
  • Reconhecimento e respeito do município, Estado e federação da legislação especifica da educação escolar indígena, atendendo as demandas da comunidade.
  • Melhorar / desburocratizar o acesso das comunidades aos programas de fornecimento de merenda escolar com produtos locais.
  • Valorizar os saberes tradicionais, modos de vida e as histórias dos povos indígenas através da contratação de anciãos, detentores desses conhecimentos, para atuação nas escolas.
  • Respeitar as línguas indígenas em todos os níveis de formação.
  • Reconhecimento das escolas indígenas junto aos Conselhos de Educação (em todos os níveis).
  • Fomentar o apoio aos estudantes de nível médio e superior indígenas em Oiapoque e Macapá, através da construção de casas de apoio com a estrutura necessária.
  • Criar um cursinho pré-vestibular preparatório específico para indígenas que desejam ingressar em cursos regulares.
  • Garantir a permanência de indígenas nos cursos superiores regulares, através de monitoria e nivelamento de disciplinas básicas e bolsas de estudo.
  • Assegurar o acompanhamento da FUNAI nas questões relativas à educação escolar indígena em todos os níveis.
  • Retomar as discussões sobre os Territórios Etnoeducacionais.

SAÚDE

  • Garantir cursos de formação inicial e continuada de profissionais da saúde indígena em geral;
  • Garantir a realização de concurso público específico na área de saúde indígena;
  • Construir, reformar e estruturar todos os pólos-base e postos centrais de saúde nas aldeias. Construir mini-hospitais base nas aldeias.
  • Oferecer transporte adequado e de qualidade (fluvial, terrestre e aéreo).
  • Construção, legalização e manutenção de pistas de pouso. Garantir a homologação das pistas de pouso de Kumarumã, Kumenê, Terra Indígena Wajãpi e Parque do Tumucumaque.
  • Garantir ações diversas de saúde pública aos povos indígenas.
  • Garantir o reconhecimento e valorização da medicina tradicional indígena, através do respeito ao trabalho e saberes dos pajés e das parteiras tradicionais, assegurando a proteção ao conhecimento tradicional associado.
  • Garantir criação da categoria de parteiras indígenas no quadro da SESAI. Capacitação das parteiras para realização dos exames pré-natal, que não devem ser realizados por enfermeiros, segundo nossos costumes.
  • Garantir a valorização e reconhecimento da categoria de AIS e AISAN.
  • Garantir vagas para indígenas na SESA, SESAI e DSEI.
  • Assegurar revisão salarial dos funcionários indígenas da saúde.
  • Garantir representação indígena nos conselhos municipais e estaduais de saúde.
  • Construção e manutenção de redes de saneamento básico completas (abastecimento de água e tratamento de esgoto).
  • Retorno do recurso do Governo Federal – IABPI (incentivo de atenção básica aos povos indígenas) para a prefeitura de Oiapoque, voltado à aquisição de medicamentos.
  • Converter o regime de trabalho da equipe multidisciplinar da saúde de modular para regular.
  • Criação do DSEI Oiapoque.
  • Construção e equipagem do prédio da Casai Oiapoque.
  • Criação de um decreto presidencial para disponibilizar recursos específicos ao controle social da saúde indígena.
  • Garantia do acompanhamento da FUNAI da saúde nas Terras Indígenas.
  • O DSEI deve assumir definitivamente a saúde indígena. Nosso posicionamento é contrário à terceirização da saúde indígena no Brasil.

TERRA, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE

  • Nos posicionamos de maneira contrária à PEC 215 por entendermos que se trata de uma ameaça às nossas terras demarcadas e homologadas, além de dificultar o processo de identificação, demarcação e homologação de novas TIs no Brasil.
  • A FUNAI tem a obrigação de fazer a proteção e fiscalização das TIs, em parceria com o IBAMA, ICMBio, exército e a polícia federal e precisa apoiar a vigilância realizada por nós indígenas de maneira contínua. Reivindicamos o retorno dos postos de fiscalização da FUNAI nas terras indígenas.
  • Criação de uma faixa de delimitação dos limites das terras indígenas, protegendo de atividades impactantes do entorno.
  • Agilizar o processo de demarcação das terras indígenas no cenário nacional.
  • Garantir que o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na convenção 169 da OIT seja efetivamente respeitado.
  • Assegurar a fiscalização da FUNAI em todos os empreendimentos e obras realizadas na terra indígena ou em suas proximidades.
  • Que o estado assegure as mitigações e compensações a que tem direito os povos indígenas em obras que os afetem.
  • Normatizar o ingresso em terras indígenas.
  • Valorizar e reconhecer a categoria dos agentes ambientais indígenas.
  • Reconhecer as práticas culturais indígenas e confecção de artefatos artesanais, oriundos do aproveitamento de elementos naturais (aves, caça, sementes, cipó, madeira entre outros).
  • Garantir a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais dentro das terras indígenas.
  • Assegurar a proibição de quaisquer práticas predatórias de recursos naturais dentro das terras indígenas.
  • Promover a participação indígena efetiva nas agendas socioambientais da região, com o objetivo de realizar a troca de conhecimento e de práticas que colaborem com a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais. Assegurar acesso à informação e espaços de discussões da legislação ambiental e indigenista nacional e internacional.
  • Regulamentar o poder de polícia da FUNAI.
  • Criação de brigadas anti-incêndio específicas.
  • Efetivar os Planos e Programas de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PGTA).

À luz das inúmeras batalhas, dificuldades e vitórias que frutificaram da luta de nossos antepassados, reforçamos a importância de olhar para o histórico da relação entre o Estado Brasileiro e os povos indígenas no sentido de exigir reparações aos danos causados e cujas consequências sofremos ainda hoje, com o objetivo de construir um futuro que respeite a autodeterminação, os anseios e o direito à diversidade dos povos indígenas em nossa região e em todo o país.

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