Numa oportunidade rara de estarem assim reunidos, a cada dia os representantes dos povos indígenas juntamente com os representantes do Estado brasileiro e instituições da sociedade civil estiveram envolvidos na elaboração conjunta de uma linha do tempo que resume os principais marcos históricos, avanços e desafios de todos os povos indígenas da região, bem como de propostas que permitam a criação de uma nova política indigenista do Estado Brasileiro. No primeiro dia fizeram parte da mesa de abertura representantes das Associações Indígenas da região, da APIB, COIAB, CNPI, FUNAI, Iepé, SESAI, Governo do Estado do Amapá. Também participou da mesa o juiz federal da subseção judiciária do Oiapoque, Hiram Pereira. Ubirajara Sompre, representando a APIB, em sua fala na Mesa de Abertura declarou “A bancada ruralista já acabou como sul e agora quer acabar com a Amazônia. Para eles, uma pata de boi e um quilo de soja vale mais do que um índio.”
A abertura também contou com manifestações de apoio ao boicote aos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, e de repúdio à PEC 215, que foi aprovada na Comissão Especial de Demarcação de Terras Indígenas, na Câmara dos Deputados na véspera desta Conferencia. Denise Fajardo, representando o Iepé, em sua fala na mesa abertura contrapôs à noticia da aprovação da PEC 215, uma vitória importante para os povos indígenas da região do norte do Pará, com a assinatura do Relatório de Identificação da TI Kaxuyana-Tunayana pelo presidente da Funai. A notícia foi calorosamente aplaudida e as lideranças do povo kaxuyana, presentes puderam agradecer pessoalmente ao presidente da Funai, João Pedro da Costa, que participou durante um dia e meio dos trabalhos. Em sua fala para a plenária na manhã de ontem disse: “A Conferência é um momento histórico e por si só já é vencedora porque é um encontro de lideranças, dos movimentos indígenas, das organizações. O debate que se faz, a reflexão que se está fazendo em todo Brasil. A metodologia que nos propicia isso, a gente olha lá atrás, olha o presente e vê o futuro. Vamos chegar em dezembro, no período de 14 a 17, quando concluiremos a Conferência Nacional de política indigenista e os povos indígenas vão dar um grito muito forte lá em Brasília com as suas propostas, com as suas idéias e com os seus sonhos. E esse grito vai chamar atenção e nós vamos sair todos fortalecidos: os povos indígenas, a sociedade, a FUNAI. E esse grito vai para todo o Brasil. Vai na direção do judiciário que nesse momento, na minha avaliação, é um entrave grande nos procedimentos de definição de terras indígenas aqui no Brasil”.
Além das discussões em grupos de trabalho e plenárias gerais estão ocorrendo manifestações culturais dos diferentes povos participantes. No primeiro dia os povos do Oiapoque abriram a conferência dançando juntos à frente da mesa de abertura e ofereceram sua bebida tradicional para todos os presentes. No segundo dia foi a vez dos Wajãpi, e hoje dos povos do Tumucumaque abrirem os trabalhos dançando e oferecendo caxiri a todos.
Os trabalhos encerram-se no final da tarde de hoje, após a votação de todas as propostas pelos representantes indígenas e não-indígenas da região que irão participar da etapa nacional a ser realizada em dezembro, em Brasília. Esta conferência está tendo cobertura on-line pelo canal Mídia Ninja do Amapá, para assistir, acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=BW7VX2x1LAo
Fotos: Davi Castro Maruwono
Algumas falas das lideranças indígenas presentes:
“Nesse momento, a presença de todos os indígenas é importante para avaliarmos as ações dos governantes em relação aos indígenas” Makaratu Wajãpi
“Os políticos estão criando as leis sem consultar os indígenas. Querem derrubar os indígenas. Sabemos que estamos sendo ameaçados, por isso precisamos lutar juntos. É importante termos nossas propostas juntos.” Ubirajara Kesu Kaxuyana, presidente da APITIKATXI.
“Estamos vendo as dificuldades para chegar nesse momento, para chegar nas Regionais. É importante avaliarmos as propostas. Estamos passando por momento muito difícil com o Congresso Nacional. Estamos perdendo nossos direitos constitucionais. A aprovação da PEC 215 foi uma batalha perdida, mas vamos avançar.” João Neves COIAB
“Temos que garantir o direito às nossas terras. A terra é nossa vida. Tentaram derrubar nossos direitos ontem, mas não vão nos derrotar. Querem nos calar, mas não vão conseguir. Querem tirar nosso modo de alimentar nossos filhos, que é a nossa terra, e isso me faz chorar. Queremos ser os protagonistas do nosso processo. Enquanto estamos aqui está acontecendo os ‘Jogos Mundiais Indígenas’. Precisamos ter os nossos direitos ouvidos! Não estamos em festa! O Congresso precisa entender que somos os povos originários do Brasil. Estamos aqui para buscar nossos direitos.” Simone Karipuna
“O Estado está trabalhando sua reorganização e as questões indígenas são prioridade. Estamos de portas abertas para receber todas as demandas aqui.” Nazaré Farias. Representante estado do Amapá.
Fala do Presidente da Funai:
Esse é um momento histórico dos povos indígenas do Brasil. Essa Conferência é um encaminhamento de um acúmulo de discussão do movimento indígena do Brasil. É um decreto da Presidenta Dilma e estamos praticamente concluindo a Conferência, faltam apenas duas etapas. Estamos concluindo hoje a etapa do Pará e do Amapá… A Conferência é um momento histórico e por si só já é vencedora porque é um encontro de lideranças, dos movimentos indígenas, das organizações. O debate que se faz, a reflexão que se está fazendo em todo Brasil. A metodologia que nos propicia isso, a gente olha lá atrás, olha o presente e vê o futuro. Vamos chegar em dezembro, no período de 14 a 17, quando concluiremos a Conferência Nacional de política indigenista e os povos indígenas vão dar um grito muito forte lá em Brasília com as suas propostas, com as suas idéias e com os seus sonhos. E esse grito vai chamar atenção e nós vamos sair todos fortalecidos: os povos indígenas, a sociedade, a FUNAI. E esse grito vai para todo o Brasil. Vai na direção do judiciário que nesse momento, na minha avaliação, é um entrave grande nos procedimentos de definição de terra indígena aqui no Brasil. O último assassinato de uma liderança guarani foi em cima de uma terra que a Funai trabalhou, concluiu. A terra foi homologada pelo presidente Lula em 2004 e dez anos se passaram… e tomba uma liderança guarani, por conta de uma terra homologada. Travada no supremo pelas mãos do ministro Gilmar Mendes. Então, esse grito tem que ser na direção do judiciário. O que pensa o movimento indígena, a sociedade? Porque essa é uma conferência aberta não só para a participação dos povos indígenas. Mas ela é aberta para todos os segmentos da sociedade contribuírem para a formação das políticas indigenistas. Vai ser um grito na direção do Congresso Nacional por conta das PECs que lá estão e por conta do olhar do caminho que o Congresso Nacional quer traçar na direção de causar um retrocesso àquilo que já foi conquistado, avançado e pactuado com a sociedade brasileira quando da Constituição de 1988. E foi por isso que não cheguei aqui para o primeiro dia da Conferência… por conta da tentativa que fizemos na comissão da Câmara para que se não votasse a PEC 2015. Ela foi votada. Ela é a expressão da violência contra os povos indígenas, e da tentativa de desarticular o poder executivo, a FUNAI de não definir, estudar, qualificar e de não reconhecer as terras indígenas. A FUNAI não cria terra indígena, a FUNAI reconhece as terras tradicionais dos povos tradicionais do Brasil. Espero que a conclusão da Conferência vá nesse rumo de nós avançarmos e darmos mais um passo na frente de consolidar a melhor política, a mais profunda e mais séria. E aí a necessidade de todos participarem. Temos que criar um clima de muita liberdade para nossa Conferência para que as ideias das juventudes, das mulheres possam fluir. Para a gente consolidar um documento que possa ser histórico, que possa ser forte para seguirmos com os avanços e com as lutas. Temos avanços, somos reconhecidos internacionalmente por conta das terras indígenas já demarcadas, mas temos que fazer muito mais porque somos muitos povos. Isso é um diferencial de um país como o nosso. E vem desde o início quando a Europa chega por aqui e uma das principais providências é tentar desqualificar e desconhecer essa diversidade que temos no Brasil. E até hoje se tem esse pensamento de não se enxergar as diferenças. Tentar desqualificar e não respeitar os direitos dos povos indígenas. Então essa Conferência também tem que seguir nesse sentido de reafirmar a diversidade cultural, esta riqueza, as artes, a gastronomia, a presença dos povos indígenas aqui Brasil. São 305 povos e a nossa sociedade tem que conviver com essa diferença dentro de um olhar de solidariedade, de respeito aos homens e mulheres que estão aqui há muitos séculos, com culturas milenares. Que essa Conferência seja um momento histórico para o Amapá e Norte do Pará no sentido de marcar compromissos e sonhos para consolidarmos avanços no Brasil para nossos povos e para nosso País.
João Pedro da Costa