Durante os dias 20, 21 e 22 de março de 2017, aconteceu a IV Assembleia Geral dos Povos Karib, na aldeia Matrinxã, no rio Nhamundá, Terra Indígena Katxuyana-Tunayana. Essa assembléia contou com a presença de representantes de todas as aldeias e povos dessa terra indígena: Katxuyana, Tunayana, Kahyana, Txikiyana, Tiriyó, Hexkaryana, Karahawyana, Kamarayana, Xowyana, Parukwoto, Xerew e Waiwai. Também participaram lideranças indígenas convidadas dos povos Baré, Gavião, Munduruku e Sateré-Mawé.
A IV Assembleia Geral dos Povos Karib foi conduzida pela CGPH (Conselho Geral dos Povos Hexkaryana), junto ao cacique e a outros representantes da aldeia Matrinxã, contando com participação da AIKATUK (Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana), da APIM (Associação dos Povos Indígenas do Mapuera) e da ASPREHE (Associação dos Produtores Rurais da Etnia Hexkaryana). Também estavam presentes representantes das seguintes instituições convidadas: COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), CNPI-Amazônia/Pará (Conselho Nacional de Política Indigenista), Funai (CR Manaus e CTL Nhamundá), DSEI (Distrito sanit[ario Especial Indígena/ Parintins), IDEFLORBio, CTI (Centro de Trabalho Indigenista) e Iepé (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena). Destaca-se a presença de Ruben Caixeta, antropólogo e coordenador do GT da Funai de identificação da Terra Indígena Katxuyana-Tunayana, além de colaborador do Iepé. No total, fizeram-se presentes em torno de 140 pessoas.
Desde que o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da TI Katxuyana-Tunayana foi assinado e publicado pela Funai, em outubro de 2015, o processo de regularização dessa TI teve alguns desdobramentos, porém ainda não avançou para a etapa de declaração, mediante portaria emitida pelo Ministério da Justiça.
No primeiro dia da Assembléia, Juventino Kaxuyana e Angela Kaxuyana, respectivamente presidente e assessora da AIKATUK, relataram o histórico de luta pela demarcação da TI Katxuyana-Tunayana. Angela Kaxuyana ressaltou a importância da presença dos Kahyana, afirmando que a demora no processo – colocada em questão – tem relação com a área de ocupação tradicional desse povo, situada no encontro dos rios Kaspakuru e Trombetas. Em seguida, Angela afirmou que a TI Katxuyana-Tunayana foi assim batizada pelos karaiwa (não índios), muito embora a mesma seja também morada de outros povos indígenas, como Kahyana, Karapawyana, Hexkaryana, Ingaryana, Mawayana, Parukwoto, Txikiyana, Xerewyana, Waiwai, Tiriyó, dentre outros –yanas, além de povos isolados. “Esse território é de todos os povos, de todos os -yana, por isso a importância do engajamento de todos na luta por essa terra”. Juventino e Angela abordaram também os impactos do turismo de pesca esportiva que as comunidades indígenas vizinhas à comunidade quilombola de Cachoeira Porteira continuam vivenciando. Esses impactos têm se estendido à Terra Indígena Katxuyana-Tunayana.
Nara Baré, representante da COIAB, reforçou o apoio da organização às lideranças e caciques presentes, e apresentou uma análise da conjuntura atual de ameaças aos direitos indígenas, como a PEC 215 e todos os outros projetos de lei que colidem com o andamento das demarcações de terras indígenas. Esse cenário de retrocessos tende a tornar o processo de demarcação das TIs ainda mais demorado e burocrático, pois há claramente por parte dos últimos governos, sobretudo do atual, uma vontade de paralisar as demarcações de terras indígenas. Nara Baré destacou a condicionante do “marco temporal”, que determina que os povos que não estavam em seus territórios em 1988 não têm o direito de terem suas terras demarcadas. Entretanto, recorda que existem muitos povos que não conseguiram retornar para os seus territórios de origem, de onde foram retirados à força pelo próprio Estado, e que, portanto, este marco temporal é inconstitucional e fere os direitos indígenas.
Ubirajara Sompre, representante da CNPI, explicou que, graças à articulação do movimento indígena, foi instituído o Conselho Nacional de Política Indígena, que conta atualmente com 9 conselheiros da Amazônia. Representante da Câmara Temática “Território e Grandes Empreendimentos”, Ubirajara endossou seu compromisso com os povos karib de levar adiante essa pauta da demarcação da TI Kaxuyana-Tuanaya junto às instâncias que representa.
Emerson Munduruku e Lucineide Munduruku, representantes da Terra Indígena Sawre Muybu, falaram sobre o processo de autodemarcação do seu território. Em outubro de 2014, fizeram a primeira etapa do trabalho da autodemarcação, que consistiu em utilizar o mapa da Funai, carregado em aparelhos de GPS, para seguir o traçado da Terra Indígena apontado pelo GT de identificação, abrindo as picadas e colocando as placas construídas por eles próprios nos limites da terra. Emerson mostrou uma foto da placa oficial da autodemarcação, que diz o seguinte: “Território Daje Kapap Eipi. A terra é nosso patrimônio e é sagrada para nós. Governo Karodaybi”. Finalizadas três das etapas de autodemarcação, em outubro de 2015, foram a Brasília em um ato político para apresentar seu trabalho ao presidente da FUNAI, para que reconhecesse a Terra Indígena Sawre Muybu. Em 19 de abril de 2016, o então presidente João Pedro Gonçalves assinou e publicou o RCID da TI Sawre Muybu. Emerson e Lucineide Munduruku recordaram que os beiradeiros de Montanha e Mangabal, território vizinho, foram os principais parceiros no processo de autodemarcação. Ainda lembraram que, diferentemente da TI Katxuyana-Tunayana, a TI Sawre Muybu foi objeto de sete contestações e de uma manifestação, após a publicação do RCID. Mas o primeiro passo de reconhecimento das duas Terras está traçado, e as lideranças se dispuseram a unir as forças.
Em sua fala, Ruben Caixeta, destacou que a publicação do RCID da TI Katxuyana-Tunayana, em 20 de outubro de 2015, foi um marco muito importante para os povos Karib, já que o Estado reconheceu uma terra que sempre existiu e é tradicionalmente ocupada. Trata-se do reconhecimento oficial da Funai de que esta TI existe, o que faz com que seja obrigação das instituições responsáveis pela educação e pela saúde garantir os direitos dos povos que a habitam. O resumo da publicação do RCID é o reconhecimento oficial do Estado brasileiro em relação à existência desta TI. Na ocasião, o antropólogo também apresentou as propostas de alternativas de limites indicadas pela Diretoria de Proteção Territorial da Funai (DPT/Funai) ao governo do Estado do Pará, e se comprometeu a continuar acompanhando e apoiando os desdobramentos dos procedimentos da demarcação da TI Katxuyana-Tunayana.
Em relação aos encaminhamentos finais, os caciques e lideranças indígenas presentes, afirmaram que vão continuar na luta até a conquista da demarcação, assumindo ali o compromisso de formar uma comissão para acompanhar e pressionar o processo da demarcação da TI Katxuyana-Tunayana, composta por representantes das aldeias dos rios Nhamundá, Cachorro, Trombetas e Mapuera, bem como por suas associações representativas. A CNPI e COIAB também se dispuseram a acompanhar o processo em andamento, junto com as lideranças.
O Iepé, por intermédio do Programa Tumucumaque, que abrange a TI Kaxuyana-Tunayana em seu foco de atuação, foi um dos parceiros que colaborou para a realização dessa Assembleia.
Por fim, os povos e organizações indígenas participantes elaboraram uma Carta Final da Assembleia, contemplando as demandas debatidas. Dentre essas demandas, está a solicitação de resposta do governo do estado do Pará à DPT/Funai quanto à proposta de ajuste de limites territoriais que permitam que não haja sobreposição entre a TI Katxuyana-Tunayana e o Território Quilombola, vizinho de Cachoeira Porteira, na altura da cachoeira de mesmo nome, no médio rio Trombetas/PA.
Todas as organizações presentes reafirmaram seu apoio e clamaram por “Demarcação Já” para a Terra Indígena Katxuyana-Tunayana.