Entre os dias 16 e 21 de maio de 2017, aconteceu a Primeira Reunião da Consulta Prévia aos Wajãpi, que visou discutir a ocupação e as regras de uso no entorno da Terra Indígena Wajãpi (TIW). A Consulta foi realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pelo Instituto Estadual de Florestas do Amapá (IEF), por recomendação do Ministério Público Federal, a pedido do Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina. Neste processo, os órgãos governamentais estão seguindo as regras definidas pelo Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi, elaborado pelo próprio grupo indígena em 2014. Esta é a primeira vez no país que uma consulta é realizada da forma proposta pelo grupo indígena consultado, como preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada e incorporada à lei brasileira em 2004 (Decreto Presidencial nº 5.051), garantindo o direito à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e populações tradicionais afetados por projetos ou medidas governamentais.
Frente às violações de direitos cada vez mais freqüentes e a dificuldade em estabelecer uma boa comunicação com os órgãos governamentais, os Wajãpi elaboraram seu próprio protocolo, definindo as regras para um diálogo legítimo e respeitoso e informando aos órgãos governamentais como devem ser ouvidos sobre situações que podem afetar a Terra Indígena Wajãpi, seu entorno e seus modos de vida. O protocolo foi elaborado tendo como base a organização social dos Wajãpi, onde as decisões são tomadas coletivamente, pelo conjunto de chefes e representantes de todas as aldeias, conversando entre si. Entre outras coisas, o protocolo também visa garantir a tradução para a língua indígena e a boa compreensão das propostas. Além disso, a consulta é organizada em etapas, para que haja tempo suficiente para que os Wajãpi possam decidir sobre os temas, valorizando e respeitando seus conhecimentos, práticas e anseios para o futuro.
Neste caso específico, os Wajãpi foram consultados sobre a regulamentação do uso do entorno leste da sua terra indígena, que compreende duas áreas: Floresta Estadual do Amapá (Flota) e o assentamento Perimetral Norte, sob responsabilidade do IEF e do INCRA, respectivamente. Na década de 70, durante a abertura da estrada Perimetral Norte (BR 210), os Wajãpi foram oficialmente contatados pela FUNAI, que nos anos seguintes identificou e delimitou sua Terra Indígena, homologada em 1996, com aproximadamente 600.000 ha. Em 1987, o INCRA criou o Projeto de Assentamento Perimetral Norte, próximo ao território tradicionalmente ocupado pelos Wajãpi. Desde então, os Wajãpi se preocupam com as regras que definem o uso desta região, propondo, a consolidação de uma Faixa de Amortecimento, posteriormente, denominada de ‘Faixa de Amizade’, com a finalidade de evitar que a crescente pressão no entorno da TIW – com ocupações, desmatamento e invasões – chegasse próxima aos limites de sua terra. A denominação de Faixa de Amizade advém de uma tentativa de diminuir os possíveis conflitos com os vizinhos do assentamento, com a proposta da criação de uma área de uso sustentável compartilhado, com regras específicas acordadas entre ambas as partes.
Entretanto, a expansão dos lotes para fora da área delimitada do assentamento, se sobrepondo a área da Flota, resultou na intensificação de exploração dos recursos nesta região. Após inúmeras tentativas de se fazer um acordo com os órgãos responsáveis, os Wajãpi acionaram o Ministério Público Federal, que determinou que INCRA, IEF e SEMA (Secretaria Estadual do Meio Ambiente) utilizassem o Protocolo de Consulta dos Wajãpi para consultá-los sobre a regulamentação fundiária do entorno de sua Terra Indígena.
Nesta primeira etapa da Consulta Prévia, os representantes dos órgãos do governo (IEF e INCRA) explicaram aos Wajãpi quais são as propostas para ordenamento territorial dessa área. Como principal encaminhamento, ficou definido que tanto o IEF quanto o INCRA devem apresentar um diagnóstico circunstanciado das ocupações (ambiental, econômico, social e fundiário) nas áreas da FLOTA localizadas no entorno do assentamento e nas áreas do próprio assentamento que estão fora do perímetro original. Este diagnóstico deverá abordar o número de pessoas, atividades desenvolvidas e regularidade fundiária e ambiental e deverá ser enviado no prazo de dois meses, ao MPF e aos Wajãpi. Além disso, o INCRA, juntamente com os Wajãpi, Funai, Iphan, ICMbio, MPF, SEMA, SEPI, Apoianp e Iepé, deverá promover reuniões com os assentados para discutir com eles as propostas para essa área, visando a construção de um acordo comum.
A segunda etapa da Consulta foi realizada logo em seguida, entre os dias 19 e 21 de maio, com apoio do MPF, FUNAI e Iepé, e foi dedicada a discussão interna dos Wajãpi sobre as propostas. Foi feita uma avaliação da primeira etapa da Consulta e também o início de um debate sobre os anseios e preocupações dos Wajãpi frente à proposta de re-ordenamento fundiário apresentada pelos órgãos governamentais. Entretanto, como ainda faltam informações relevantes sobre as ocupações no entorno da TIW, tanto do assentamento quanto da FLOTA, a contra-proposta só deverá ser elaborada posteriormente.
Segundo o Protocolo dos Wajãpi, a FUNAI e o MPF devem acompanhar todas as etapas da Consulta. Além desses órgãos, também foram convidados representantes da SEPI (Secretaria Especial dos Povos Indígenas – Amapá), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), Prefeitura Municipal de Pedra Branca do Amapari, IMAP (Instituto do Meio Ambiente e Ordenamento Territorial), TNC (The Nature Conservation), CPPIW (Coordenadoria de Políticas Públicas para o Povo Indígena Wajãpi – Pedra Branca do Amapari), CCPIO (Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque), representantes do Parque Indígena do Tumucumaque, o Senador Randolfe (REDE-AP), IPHAN (Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) RCA (Rede de Cooperação Amazônica), e um representante do Assentamento Perimetral Norte.
A Terra Indígena Wajãpi e a Flota, juntamente com outras áreas protegidas (Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, RDS do Rio Iratapuru, Flona do Amapá, Terra Indígena Parque do Tumucumaque, Terra Indígena Rio Paru D’este, Parque Natural Municipal do Cancão e Reserva Extrativista Beija-Flor Brilho de Fogo), compõem o Mosaico da Amazônia Oriental, reconhecido em 2013, único do Brasil a ter terras indígenas na sua composição. Por isso, a importância da participação desses outros atores na Consulta, já que as discussões sobre as regras de uso dessas áreas são debatidas constantemente no Conselho Consultivo do Mosaico.
Na próxima reunião do Mosaico, prevista para acontecer entre os dias 01 e 02 de junho, a Consulta será um dos temas debatidos. O objetivo é que o Mosaico acompanhe todas as etapas desse processo e que contribuía para construção de um espaço de diálogo frutífero entre os órgãos envolvidos, os assentados e os Wajãpi.