Entre os dias 1 e 4 de junho, na Aldeia Kumarumã, na Terra Indígena Uaçá, localizada em Oiapoque, estado do Amapá, a Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM) realizou o primeiro encontro de troca de saberes sobre plantas medicinais e cuidados com a saúde entre as mulheres Galibi Marworno da região do Rio Uaçá. Reunindo mais de 40 mulheres de diferentes idades, o encontro proporcionou o compartilhamento de conhecimentos entre as gerações e um espaço para o diálogo sobre as práticas corporais de cuidado com a saúde nas diferentes etapas da vida – gestação, nascimento, amamentação, puberdade, e idade adulta e avançada.
No encontro, mulheres de diferentes gerações trocaram conhecimentos sobre os cuidados com a saúde e o uso de plantas medicinais
“Temos uma farmácia verde e nossa casa está bem no meio dela”
A primeira parte do encontro, cujo objetivo era a valorização dos conhecimentos das mulheres Galibi Marworno sobre a biodiversidade, foi um momento para troca de saberes sobre as plantas medicinais e sobre a preparação de remédios caseiros. Cada participante trouxe uma (ou mais de uma) planta, apresentando a sua função, as formas de coleta e de uso, e histórias a ela relacionadas. Foram compartilhadas diferentes formas de preparo – tais como chás, compressas, sucos e óleos – e receitas para uma série de males – como doenças respiratórias, dores musculares, infecções uterinas, câncer e diabetes. “Temos uma farmácia verde e nossa casa está bem no meio dela”, disse Jaciara Santos da Silva, Coordenadora Regional da AMIM, salientando a vastidão dos conhecimentos das mulheres Galibi Marworno sobre as propriedades medicinais das plantas.
Cada participante trouxe uma planta e apresentou a sua função, formas de coleta e de uso e histórias a ela relacionadas
Avaliando de maneira crítica a prioridade dada pelas novas gerações aos medicamentos da farmácia, em detrimento dos saberes dos mais antigos, as mulheres mais velhas destacaram as diferenças entre os remédios da floresta e os remédios do posto. As jovens ali presentes, contudo, ressaltaram seu interesse em aprender e levar adiante o conhecimento de suas avós, apontando, por um lado, a importância do registro desses conhecimentos e, por outro, a necessidade de mais oficinas práticas que promovam essas trocas.
Já as parteiras presentes mostraram sua técnica para acomodar a criança que não está na posição certa para o parto, puxando a barriga da mãe com óleos de andiroba ou mucura. Também falaram sobre as plantas que usam para cuidar da parturiente durante a gravidez e sobre os cuidados pós-parto, assim como trataram de uma série de práticas envolvidas no período do resguardo. Embora o número dos partos hospitalares tenha aumentado, as parteiras ressaltaram que as mulheres ainda recorrem a elas durante a gravidez e para orientar os cuidados com os recém-nascidos.
Saúde, alimentação e gestão socioambiental
As mudanças na alimentação foi outro tema discutidas pelas mulheres do Rio Uaçá, que manifestaram a sua preocupação com o aumento do consumo de produtos industrializados e as doenças a eles associadas. Diabetes, pressão alta e gastrite foram algumas das doenças apontadas como resultados dessas mudanças, mas para as quais foram ensinados preparos caseiros de chás e sucos. “Se não seguir a dieta, as plantas também não funcionam”, destacou uma das participantes, referindo-se à importância das práticas alimentares tradicionais – que incluem restrições e prescrições alimentares – para a eficácia dos tratamentos com as plantas medicinais.
Além de trocarem receitas de remédios e alimentos tradicionais, as mulheres refletiram sobre a gestão socioambiental de suas terras
Especialmente na Aldeia Kumarumã, elas diagnosticaram uma grande mudança nos alimentos consumidos e na forma de preparo: o beiju de crueira e os mingaus de inajá e de bacaba estão sendo substituídos pelos alimentos trazidos da cidade, atualmente mais acessíveis. Já as mulheres das menores aldeias do Rio Uaçá relataram que ainda preparam o peixe assado no forno da farinha, caça moquiada, tacacá, arapacá, entre outros alimentos compartilhados com as comunidades. Esse contraste reforça a importância da descentralização das grandes aldeias para aldeias menores, visando um uso sustentável dos recursos naturais e contribuindo para a saúde das populações indígenas. Trocando receitas de alimentos e remédios tradicionais, as mulheres refletiram também sobre a gestão socioambiental de suas terras.
Momento AMIM
Por fim, realizou-se um momento de fortalecimento institucional da AMIM, em que as representantes da diretoria, Lilia Ramos Oliveira, coordenadora financeira, e Jaciara Santos da Silva, coordenadora regional do Rio Uaçá, falaram sobre a organização da Associação, os projetos em andamento, as atividades já realizadas e o planejamento do ano de 2018. Dona Elza Figueiredo, representante do Conselho Fiscal, e sócia fundadora da AMIM, também contribuiu, contando a história e importância da organização das mulheres indígenas no Oiapoque.
A atividade foi desenvolvida pela AMIM, com assessoria do Iepé, a partir do projeto “Mulheres em Mutirão semeando a arte do bem viver”, em parceria com a Embaixada da Noruega.
Equipe organizadora da atividade: Lilia Ramos Oliveira (coordenadora financeira da AMIM), Jaciara Santos da Silva (coordenadora regional do Rio Uaçá da AMIM), Rita Becker Lewkowicz (Iepé) e Juliana Licio (Iepé).