Entre os dias 26 de junho e 01 de julho, foram realizadas duas oficinas para a construção do Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque. Uma delas foi realizada na Aldeia Tukay, localizada na região da BR156, na Terra Indígena (TI) Uaçá, e outra na Aldeia Kunanã, localizada no Rio Oiapoque, TI Juminã. As oficinas regionais concretizam uma segunda etapa do processo de elaboração do documento na região, debatendo o direito à consulta, as formas de organização dos povos indígenas Karipuna, Galibi Marworno, Palikur e Galibi Kali’na, e delineando os caminhos para uma consulta bem feita, reconhecendo a especificidade do processo de tomada de decisão no contexto do Oiapoque e o histórico de violações dos direitos dos povos indígenas na região.
Direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé
Nas oficinas realizadas, foi discutido o direito dos povos indígenas à consulta prévia, garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 5051/2004, em que se torna uma obrigação do Estado consultar, adequada e respeitosamente, frente a qualquer decisão administrativa ou legislativa que possa afetar as vidas, as terras e os direitos dos povos tradicionais.
“Consulta é uma maneira como queremos que o governo trabalhe conosco, que ele entenda e respeite nossos direitos e nossas opiniões. Que antes de qualquer empreendimento, ele venha primeiro conversar conosco, para saber como queremos que faça isso, se queremos ou não, e quais são os impactos que vão nos atingir aqui dentro da comunidade”, Deuzimar dos Santos, professora da Aldeia Tukay.
O direito à consulta está fundamentado no princípio da autonomia dos povos indígenas em tomarem suas próprias decisões e definirem suas prioridades nos processos de desenvolvimento e na gestão socioambiental das terras indígenas, pensando no seu futuro. Reconhecendo as diferenças de cada povo indígena, a elaboração dos protocolos próprios aparece como uma estratégia para garantir que seja respeitado o modo de organização e tomada de decisão em cada contexto específico.
No Oiapoque, os índios destacaram: “somos quatro povos diferentes, que vivem em cinco regiões situadas em 3 Terras Indígenas, e nossas decisões são tomadas coletivamente, ouvindo a base das nossas comunidades”.
“Fazer o protocolo de consulta é ter nossa autonomia e da nossa terra indígena. É pensar nos desafios que encontramos hoje: a BR156 que cortou a nossa Terra Indígena e muitos outros empreendimentos que a gente nem tem conhecimento que estão acontecendo. Vai ser importante conversar sobre isso para reconhecermos que temos esse direito e poder dizer como queremos ser consultados, explicar qual é a forma que queremos nossa consulta aqui no Oiapoque. E o governo tem que respeitar o nosso tempo de tomar uma decisão”, Abilis Charles dos Santos, jovem da Aldeia Tukay.
A organização dos povos indígenas do Oiapoque e o caminho da consulta
Foram realizados trabalhos em grupos sobre a complexa forma de organização dos povos indígenas do Oiapoque para os processos de tomada de decisão, no qual se reforçaram os papéis dos caciques no Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), como também dos conselheiros, das mulheres, dos jovens, dos professores e das associações indígenas. Trazendo um relato do contexto mais amplo da região, apareceu um histórico de (más) experiências em diálogos e acordos com o governo e empreendimentos, como é o caso da rodovia BR156 que cruzou à Terra Indígena Uaçá e que se encontra em vias de ser asfaltada, e da Pequena Central Hidrelétrica que será construída no Rio Oiapoque. A partir desses relatos, o protocolo foi apontado como uma importante ferramenta para “não repetir os erros do passado”.
Pensando no caminho de uma consulta adequada, os participantes desenharam diferentes esquemas, curvas e rotas para um bom diálogo com o governo, levando e trazendo as informações para as comunidades, a fim de garantir uma consulta que contemple de fato uma participação efetiva dos diferentes atores para a tomada de uma decisão.
“Nossas decisões saem da base, da discussão dentro das comunidades. É o Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) que toma as decisões, mas as informações vêm da base, pois quem sofre são as pessoas que estão nas comunidades”, Cacique Silvio Nunes Vidal, Aldeia Kunanã.
Próximos passos
Ainda serão realizadas mais três oficinas nas regiões do Rio Curipi, Rio Uaçá e Rio Urukauá, a partir das quais será feita uma sistematização do material levantado, para ser trabalhada coletivamente na versão final do Protocolo. Além desse levantamento de informações, as oficinas regionais se configuram como importantes momentos de formação para os povos indígenas, sobre seus direitos garantidos e fortalecendo sua autonomia.
Nas duas oficinas realizadas, contou-se com a participação de aproximadamente 80 pessoas, incluindo jovens, mulheres, professores, caciques, entre outros atores. A mediação foi realizada por Erika Yamada, advogada especialista em direito e política indigenista com vasta experiência na área de Consulta Prévia, acompanhada pelas assessoras do Iepé, Rita Lewkowicz e Juliana Licio. Também estiveram presentes Joenes Guimarães e Haroldo dos Santos, representantes da FUNAI, e José Damasceno Forte Karipuna e Gilberto Iaparrá, representantes do CCPIO.
As oficinas foram realizadas pelo Iepé, com apoio da Rede de Cooperação Amazônica – RCA.