Sexta etapa da Formação dos Agentes Ambientais Indígenas no Oiapoque

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No último ano do curso, os futuros agentes planejam projeto piloto de gestão de resíduos sólidos em aldeia e preparam TCCs sobre proteção territorial, manejo da biodiversidade e protocolos de consulta, entre outros temas

 

 Foto: Rita  Lewkowicz

Estratégias de conservação da agrobiodiversidade, mudanças climáticas e cadeias produtivas indígenas estiveram em pauta na VI Etapa da formação técnica em Meio Ambiente, que ocorreu de 14 de janeiro a 02 de fevereiro de 2019 nas Terras Indígenas (TIs) do Oiapoque. As disciplinas debateram a contribuição dos povos indígenas para a manutenção da floresta em pé, assim como a possibilidade de geração de renda a partir de produtos da floresta. Além disso, os agentes ambientais indígenas (AGAMIN) se dedicaram à elaboração de seus projetos de trabalhos de conclusão do curso, que serão  desenvolvidos nas aldeias durante o semestre.

Floresta em pé

Nesta etapa, diferentes disciplinas abordaram a importância da manutenção da floresta em pé não apenas para o Brasil, mas também para o planeta, refletindo sobre a contribuição dos povos indígenas  para a conservação e produção da biodiversidade amazônica.

 Foto: Josyneide de Oliveira

Na disciplina “Práticas e conhecimentos sobre agricultura e alimentação”, ministrada por Josy de Oliveira, o enfoque foi na sistematização dos conhecimentos indígenas sobre o comportamento das plantas e as formas de cuidá-las, trazendo um diálogo com a agrofloresta para pensar nas alternativas possíveis em um contexto de terras limitadas.Foi apresentado o andamento dos pequenos experimentos agroflorestais nas aldeias e também realizadas intervenções na parcela do Centro de Formação, refletindo sobre os diferentes contornos que a agrofloresta pode ter, dependendo da especificidade de cada situação. A experiência de formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas no Acre foi apresentada e discutida com os AGAMIN por meio da exibição do documentário “A gente luta, mas come fruta” (VNA, 2006), disparador de reflexões sobre gestão territorial e ambiental nos dois contextos.

 Foto: Rita  Lewkowicz

O zoneamento de matrizes de espécies florestais foi o foco da disciplina ministrada por Bruno Reis, a qual teve como objetivo estudar metodologias de identificação de regiões para coleta de sementes potenciais para confecção de mudas para recuperação de áreas degradadas e enriquecimento de capoeiras, casando a importância ecológica, cultural e econômica das espécies. Foi realizada uma saída de campo na Aldeia Kuahi para a identificação de espécies florestais importantes, e análise de  suas características, calendários de floração, usos e outros conhecimentos atrelados a elas, atividade que terá continuidade no período de dispersão nas aldeias.

 Foto: Josyneide de Oliveira

Ministrada por Roselis Mazurek, a disciplina “Práticas de manejo sustentável” também se focou nas espécies florestais, pensando na importância de conhecer a ecologia das plantas e elaborar estratégias de manejo que permitam contribuir para a conservação da biodiversidade, assim como garantir formas de geração de renda que mantenham a floresta em pé. Nesse sentido, foram abordadas as cadeias produtivas de certos produtos, como do açaí, artesanato, frutíferas, entre outros, refletindo sobre a potencialidade do trabalho com a agrobiodiversidade.

Nessa mesma direção, a disciplina “Produção e Sustentabilidade”, ministrada por Felipe Garcia, dedicou-se à sistematização dos dados das duas pesquisas realizadas nas aldeias – sobre variedades das roças e produtos vendidos na cidade – para subsidiar a elaboração de projetos de intervenção. Divididos em duas turmas, os AGAMIN construíram dois projetos para serem realizados ainda no ano de 2019: uma feira de trocas de variedades das roças entre os quatro povos indígenas do Oiapoque e a realização de uma feira itinerante de venda de produtos indígenas na cidade de Oiapoque.

Resíduos sólidos e os efeitos de um modelo de desenvolvimento que chega a seu limite

A problemática dos resíduos sólidos foi discutida como um problema dentro e fora das aldeias indígenas, e que está diretamente ligado com outras questões, como aumento do consumo de produtos industrializados nas TIs, poluição do solo e igarapés, reprodução de vetores de doenças endêmicas, entre outros. Assim, visitou-se a lixeira pública do município de Oiapoque, localizada a menos de 2 km do centro da cidade, e que apresenta problemas sanitários e de infraestrutura,  como é o caso de grande parte dos aterros do país.

 Foto: Rita  Lewkowicz

Na visita guiada pelo Secretário de Meio Ambiente do Município de Oiapoque, relatou-se que a área da lixeira estava em manutenção há quatro meses, organizando melhor a distribuição dos resíduos, e diminuindo o problema dos insetos e  do odor. Mas o Secretário explicou que aquele não é o local adequado e que estão estudando outro local para instalação de um aterro controlado. Os AGAMIN presentes manifestaram sua preocupação com a possibilidade de construção do aterro na rodovia próxima às TIs, pois isso afetaria não só as aldeias que localizam-se na margem da BR156, mas ameaçaria as nascentes dos principais rios que adentram as TIs. Reiteraram também o direito à consulta prévia, caso haja um empreendimento como este que possa afetá-los.

 Foto: Rita  Lewkowicz

Além disso, dando continuidade ao trabalho iniciado durante o acompanhamento de setembro de 2018, a turma visitou a Aldeia Curipi, localizada na BR156, a fim de avaliar e retomar o plano de que a aldeia seja um projeto piloto exemplar de gestão dos resíduos sólidos, transformando o problema dos resíduos em um potencial de geração de renda e articulação institucional. Inclusive, na agenda com o Secretário de Meio Ambiente, pactuou-se a articulação com o município para o escoamento das pilhas e baterias coletadas pelos AGAMIN nas aldeias.

A disciplina Modelos de Desenvolvimento, ministrada por Ana Marcela Sarria,  abordou a discussão sobre os efeitos de um modelo de desenvolvimento que chega a seu limite, causando impactos ambientais, sociais e mesmo econômicos. Os AGAMIN foram estimulados a refletir criticamente sobre afirmações reiteradas durante a campanha eleitoral, e a discutir sobre o papel político dos agentes ambientais indígenas. Por fim, a disciplina tratou do protocolo de consulta dos povos indígenas do Oiapoque, concebido como uma ferramenta de garantia do direito à consulta prévia e ao respeito a seus modos próprios de desenvolvimento e relação com o território.

 Foto: Rita  Lewkowicz

Trabalhos de Conclusão do Curso

2019 é o último ano de formação dos agentes ambientais indígenas no Curso Técnico em Meio Ambiente, e nesta reta final, a disciplina “Sistemas de conhecimento” ministrada por Augusto Ventura teve como foco a elaboração dos projetos de trabalhos de conclusão de curso (TCCs) dos alunos. Cada estudante escolheu o tema sobre o qual irá se debruçar ao longo do semestre nas aldeias, focando sobre diferentes eixos temáticos, como manejo da biodiversidade, experimentos agroflorestais, relação entre os karuanas e a gestão territorial, histórico de ocupação territorial e localização das aldeias, proteção territorial e protocolo de consulta, entre outros.

Além de escreverem sobre suas trajetórias e elaborarem justificativas sobre a importância de seus temas de trabalho, os estudantes desenvolveram redações sobre os territórios indígenas, as mudanças climáticas e a perspectiva do novo governo. Os TCCs serão concluídos e apresentados até o final deste ano.

Mudanças climáticas em pauta

No dia 19 de janeiro, os AGAMIN participaram da exibição do filme “Quentura” (RCA e Instituto Catitu, 2018) no Campus Binacional da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. O filme gerou uma conversa sobre as percepções indígenas sobre as mudanças no clima, a preocupação com um novo governo que contesta a existência do aquecimento global, e a importância do movimento indígena articulado para enfrentar essas ameaças, dando protagonismo às mulheres. No debate, diferentes análises sobre o tema foram compartilhadas: por um lado, um agente ambiental karipuna apresentou sua preocupação com as mudanças nas formas de vida dos povos do Oiapoque, no sentido inclusive de contribuir com o aquecimento global, por outro lado, um estudante Wajãpi afirmou que, pelo contrário, o jeito de viver Wajãpi contribui para cuidar e manter a floresta, o que gerou inclusive uma discussão teórica sobre os conceitos de “ação antrópica” e “Amazônia antropogênica”, conduzida pelos professores presentes.O evento, realizado em parceria entre Iepé e UNIFAP, reuniu estudantes e professores do curso de Licenciatura Intercultural Indígena e Agentes Ambientais Indígenas.

O curso de Formação de Agentes Socioambientais Indígenas do Oiapoque (AGAMIN) é uma conquista dos povos indígenas, assumindo o protagonismo da gestão socioambiental de suas terras. O curso é realizado em parceria pelo Iepé e TNC, no âmbito do projeto “Fortalecimento da Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas na Amazônia como estratégia de controle do desmatamento e de promoção do bem estar das comunidades indígenas” apoiado pelo Fundo Amazônia (BNDES) e será certificado pelo Instituto Federal do Amapá (IFAP).

Texto: Rita Lewkowicz | Revisão: Marina Rabello

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