A pesquisa colaborativa “Peixes e pesca: Conhecimentos e práticas entre os Povos Indígenas do Baixo Oiapoque, Amapá” recebe Prêmio Rodrigo Melo do IPHAN

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Iniciativa coordenada pelo Iepé foi finalista na categoria Patrimônio Imaterial de 2020

A pesquisa colaborativa “Peixes e pesca: Conhecimentos e práticas entre os Povos Indígenas do Baixo Oiapoque, Amapá” recebeu o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, na categoria de Patrimônio Imaterial, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), conforme resultado divulgado neste dia 15 de dezembro (https://www.gov.br/iphan/pt-br/assuntos/noticias/anunciados-vencedores-do-premio-rodrigo-2020).

A premiação acontece desde 1987, sendo uma das mais importantes do país no reconhecimento de iniciativas de excelência e caráter exemplar na área de valorização do Patrimônio Cultural. Neste ano, 515 ações concorreram ao Prêmio a nível nacional, e a iniciativa dos povos indígenas do Oiapoque esteve entre as 12 ações selecionadas.

A pesquisa “Peixes, pesca e conhecimentos entre os Povos Indígenas do Baixo Oiapoque”, realizada de forma colaborativa pelos pesquisadores indígenas do Museu Indígena Kuahí (Oiapoque/AP), promoveu a elaboração de um grande arquivo, científico e antropológico, sobre os conhecimentos indígenas dos recursos pesqueiros e ecossistemas da região, assim como das narrativas relativas ao ciclo das chuvas, calendários e relações entre humanos e seres do mundo aquático. Além do Iepé e o Museu Kuahi, também foram parceiros neste projeto o Programa de Documentação de Acervos Culturais Indígenas do Museu do Índio – RJ/Unesco (FUNAI) e o Museu de História Natural de Paris.

A equipe dos 19 pesquisadores indígenas do Museu Indígena Kuahí, com a participação da etnoecóloga Pauline Laval (do Museu de História Natural de Paris) e orientação da antropóloga Lux Vidal (USP e Iepé) realizou a pesquisa de campo, o processo de registro, transcrição e sistematização dos dados da pesquisa. “Foi um verdadeiro compartilhamento de conhecimentos e de encontro entre saberes indígenas e saberes ditos científicos, entre conhecedores e pescadores que vivem nas aldeias, jovens pesquisadores indígenas e pesquisadores acadêmicos. A equipe do Museu Kuahí teve um duplo papel, participando ao mesmo tempo como pesquisadores e como interlocutores de pesquisa” afirmou Rita Becker, coordenadora do Programa Oiapoque do Iepé.

O trabalho resultou na publicação de um livro “Peixes, pesca e conhecimentos entre os Povos Indígenas do Baixo Oiapoque”, lançado em 2019, com uma tiragem de 5.000 exemplares, amplamente distribuído nas três terras indígenas do Oiapoque (Uaçá, Juminã e Galibi), além de universidades, centros de pesquisa, órgãos federais e instituições da sociedade civil. O livro está disponível para acesso online no site do Iepé.

A iniciativa desta pesquisa colaborativa pode ser conhecida também por meio de um vídeo, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=55-Ce0TMZ-k

Sobre a iniciativa premiada

A pesquisa realizada na região do Oiapoque documenta um grande arquivo de cunho científico e antropológico, realizado de forma colaborativa sobre o sistema de saberes e práticas imbricados na atividade pesqueira que envolvem os conhecimentos sobre a ecologia das espécies, as paisagens, as relações entre humanos e seres do mundo aquático, culinária tradicional, que revelam uma relação única entre os conhecimentos e práticas desses povos e seus territórios.

Os ambientes aquáticos são menos documentados do que os ambientes terrestres, mesmo que abriguem uma alta diversidade e sejam importantes para o equilíbrio dos ecossistemas. A pesca, como atividade humana, também foi pouco pesquisada até hoje: ambiente fechado, muitas vezes restrito aos homens, envolvendo regras específicas e comportamentos regulamentados. Por outro lado, por ser uma atividade do cotidiano e indispensável pela alimentação das populações tradicionais e indígenas, principalmente na Amazônia, o ato de pescar envolve uma variedade de conhecimentos, necessários para conseguir o peixe.

A pesquisa revelou que para conseguir se alimentar com pesca, os pescadores precisavam um conhecimento muito detalhado das espécies e dos ecossistemas, e além disso, das constelações e da meteorologia. Também sabem manipular vários tipos de instrumentos de pesca, graças a uma prática regular que começa desde a infância.

As oficinas permitiram sensibilizar sobre o fato de que essa riqueza precisa ser conservada frente às ameaças modernas. A pesquisa mostrou que os povos indígenas do Oiapoque conseguem adotar regras novas de manejo dos peixes e permanecer com sua sabedoria ancestral imaterial (histórias, cosmologia, técnicas), e material (fabricação dos instrumentos tradicionais de pesca) que garante até hoje uma alta concentração de peixes. A pesquisa ainda incentivou algumas aldeias a aplicar novas regras de manejo e possibilitou um encontro das novas gerações com conhecimentos tradicionais transmitidos pelos mais velhos.

A metodologia da colaboração científica entre pesquisadores indígenas e não indígenas contribui para promover o protagonismo dos povos indígenas nas ações de valorização de seu próprio patrimônio material e imaterial. Além de pesquisadores, os participantes eram também interlocutores, por serem eles mesmos indígenas e pescadores.

Segundo a Ata de Reunião da Comissão Nacional – 33ª PRMFA:

“Sobre a referida iniciativa, Maria Laura Cavalcanti sublinhou a mobilização de saberes indígenas sobre o ecossistema, cosmovisões e as práticas culturais da região. A ação também preconizou o reconhecimento das especificidades de gênero e dos grupos étnicos envolvidos com o projeto. Apresentando uma metodologia bem detalhada, contou com a contribuição de dezenove pesquisadores indígenas em diálogo com antropólogos e antropólogas não indígenas, evidenciando um intenso intercâmbio de saberes e uma ampla capacidade de difusão social. José Márcio Barros reforçou o parecer de Maria Laura Cavalcanti enaltecendo a alta capacidade de transversalidade e sustentabilidade da ação. O jurado indicou a ação fortemente para o Prêmio”.

“Este projeto, incluindo pesquisa de campo e oficinas, foi uma oportunidade única de reunir pessoas de diferentes aldeias e gerações, integrando-as na concepção do projeto, reforçando e valorizando a interação do trabalho da equipe indígena do Museu Kuahí com a vida nas aldeias. A iniciativa como um todo, apoiada desde o início pela equipe do Iepé, tem enorme potencial de ser replicada em outras regiões do país e com outros temas, oportunizando momentos de encontros e valorização dos conhecimentos tradicionais indígenas. Ficamos muito contentes com essa premiação” afirmou Luis Donisete Benzi Grupioni, coordenador Executivo do Iepé.

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