Texto: Cecília de Santarém* | 14 de março de 2022
Itu nai anya arimikane: “A floresta é nosso futuro/ As árvores que nos fazem crescer”. Esse foi o título que as mulheres indígenas do Tumucumaque, organizadas na AMITIKATXI (Articulação das Mulheres Tiriyó, Katxuyana, Txikiyana), escolheram para sua primeira obra de arte contemporânea, a qual tive a honra de ser co-criadora. A obra integrou a exposição Ka’a Body – Cosmovision of the Rainforest, na galeria Paradise Row, em Londres.
Composta por mais de 90 peças de miçangas, como colares, brincos e pulseiras, a obra foi feita por mais de 30 artesãs das Terras Indígenas Parque do Tumucumaque, Rio Paru d’Este e Kaxuyana-Tunayana, no norte do Pará. Constitui-se de um grande painel de tecido vermelho – o mesmo que compõe saias e tangas dos povos indígenas da região. Nele, se vê uma imensa árvore tecida a partir dessas peças, em meio a montanhas, rios e pássaros.
Evidentemente, não se trata de uma árvore qualquer, mas de um tipo de sumaúma, conhecida em língua tiriyó como tëefaime. É dessa árvore que se faz o tëefa, tambor, ou antes prancha acústica, que se toca com os pés, ao mesmo tempo em que se dança, nas festas tradicionais dos Tiriyó.
As peças que compõem a obra de arte são aquelas que não foram vendidas por conta da pandemia de Covid-19. E a pandemia também impossibilitou reuniões presenciais para a elaboração dessa obra de arte. Mas, graças à recente instalação de pontos de internet nas aldeias da região, o trabalho pode ser feito em conjunto e remotamente com meu apoio.
Essa construção coletiva online acabou se tornando um incentivo para que as mulheres aprendessem e participassem desses espaços virtuais, tratando de temas de seus interesses. Mulheres de diferentes gerações estiveram reunidas, como a jovem Jacilene Parena Kaxuyana Tiriyó, que desenhou a base para a montagem da árvore, e a senhora Takunem Paiari Tiriyó, que sugeriu o título da obra.
Ao longo do meu trabalho de articulação, concepção e execução da obra, foi uma alegria muito grande estar ao lado dessas mulheres, especialmente colaborando para levar para mais pessoas e lugares suas artes e lutas. As miçangas, para os povos indígenas da região, remetem à importância das boas parcerias, seja para sua obtenção, seja para sua circulação. E a continuidade das florestas e de seus conhecimentos tradicionais são lutas contínuas e cada vez mais fundamentais.
Exposição pioneira
A exposição Ka’a Body – Cosmovison if the Rainforest teve curadoria de Sandra Benites, que é antropóloga e primeira mulher guarani curadora do MASP, e Anita Ekman, artista visual e performer brasileira. Segundo texto curatorial da exposição, em tradução livre: “Ka’a significa folha, ervas que curam. Ka’a Guy, floresta. A floresta compõe-se dessas infinitas conexões, da grandiosa diversidade da vida. As artes criadas pelos povos da floresta procuram traduzir as relações entre os Yvy Pory – os seres da Terra (humanos e não-humanos).” O texto na íntegra pode ser consultado aqui.
Trata-se da primeira exposição de arte contemporânea indígena da América do Sul fora do continente, com curadoria de uma mulher indígena. Composta por duas etapas e um festival online, a exposição esteve aberta ao público entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022, na galeria Paradise Row, em Londres.
>> Saiba mais sobre a exposição e a galeria
>> Faça um passeio breve por parte da exposição, incluindo a obra Itu nai anya arimikane,
A verba das vendas das obras da exposição será direcionada para as iniciativas AmazoniaAlerta e Instituto Maraca e para os artistas participantes. No caso de Itu nai anya arimikane, as artesãs já foram pagas pelas peças utilizadas, e a eventual venda da obra integrará seu Fundo de Artes e Artesanatos Wëriton Iyeripo. Para saber mais sobre o fundo, escreva para [email protected] .
Após o envio da obra de arte para a exposição, alguns banners com a imagem da samaúma de miçangas foram enviados para os encontros regionais da AMITIKATXI.
*Cecília de Santarém é antropóloga e assessora do Programa Tumucumaque, do Iepé.