Proteção do entorno da Terra Indígena Wajãpi continua sem definição

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Reunião com presidentes do Incra e da Funai mostra a força da articulação do Apina e da Awatac, mas resultado inconclusivo da conversa frustra os Wajãpi na luta pelos seus direitos territoriais

Texto: João Bourroul

Os Wajãpi estão em compasso de espera há seis anos. Desde 2018 vem se arrastando um processo formal de consulta governamental a este povo indígena, proposta pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pelo Estado do Amapá, a respeito de uma possível alteração nos limites entre o Projeto de Assentamento Perimetral Norte, situado na BR-210, e a Floresta Estadual do Amapá (Flota), em uma área contígua à Terra Indígena Wajãpi (TIW). 

Estar em “compasso de espera”, no entanto, não significa que eles estão de braços cruzados. Os Wajãpi vêm se organizando e debatendo o tema e, após muito diálogo interno e com diversos órgãos de governo, desenharam e apresentaram uma contraproposta ao Incra, exigindo uma área de amortecimento entre a Terra Indígena e o Assentamento – eles sabem que esse tipo de zona de transição é essencial para sua proteção territorial e sociocultural. 

Os Wajãpi marchando em direção ao Congresso Nacional durante o ATL 2024 (Foto: Sewarai Waiãpi, jovem comunicador do povo Wajãpi)

“Caçadores e pescadores não estão respeitando nossa terra demarcada. Em torno da Terra Wajãpi já tem desmatamento”, afirma Kumare Waiãpi. 

Os Wajãpi demandam o pagamento de uma indenização digna para as famílias que tenham que ser realocadas. Segundo o Incra-AP, são 18 lotes ocupados por 18 famílias entre o limite original do assentamento e a TIW, nas margens da BR 210, em uma área que pertence à Flota. Os indígenas entendem que a ocupação desta área se deveu a erros dos órgãos governamentais responsáveis. Tanto a realocação dessas famílias quanto o pagamento da indenização são formas de diminuir a pressão da ocupação no entorno da Terra Indígena.

Reunião durante o Acampamento Terra Livre 2024

Em mais um capítulo dessa batalha, as lideranças wajãpi articularam uma reunião com a presidenta da Funai, Joênia Wapichana, e o presidente do Incra, César Aldrighi, durante o Acampamento Terra Livre (ATL). Maior assembleia dos povos e organizações indígenas do Brasil, o ATL acontece em Brasília (DF) desde 2004. Durante a edição de 2024, que aconteceu entre os dias 22 e 26 de abril, a expectativa dos Wajãpi era que o Incra apresentasse o novo mapa do perímetro do assentamento, sem prever a regularização desses lotes que ficam na faixa de três quilômetros do limite leste da TIW.  Mas ainda não foi dessa vez. 

“Esse assunto não é novo. E não muda nunca. Não falaram nada sobre a mudança no mapa. Eu não gostei do resultado da conversa”, disse Kumare após o fim da reunião, que também contou a participação de  representantes do Ministério dos Povos Indígenas, do diretor da Anater  (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural), Camilo Capiberibe, e de Gustavo De Biase,  assessor do senador Randolfe. Do lado dos Wajãpi, nove lideranças marcaram presença, a maioria representantes do Apina (Conselho das Aldeias Wajãpi) e da Awatac (Associação Wajãpi Terra Ambiente e Cultura).  

Roseno Waiãpi durante sua fala na reunião que aconteceu na ATL (Foto: Sizan Luis Esberci/ASCOM/ANATER/MDA)

“O único encaminhamento objetivo da reunião foi a viagem do presidente do Incra até o Amapá para discutir a nova proposta a ser apresentada pela Superintendência Regional junto com a Sema/AP e o Amapá Terras, prevista para o período de 15 a 20 de maio”, afirma Rodrigo Ferreira, assessor do Programa Wajãpi, do Instituto Iepé. “Não teve nenhum avanço concreto”, completa. 

Janete Carvalho, Diretora de Proteção Territorial da Funai (Foto: Sizan Luis Esberci/ASCOM/ANATER/MDA)

Já para Roseno Waiãpi, coordenador do Conselho das Aldeia Wajãpi (Apina), o fato da reunião ter acontecido é um sintoma da força política das organizações indígenas. E os próximos passos seguem no mesmo sentido: articular para resistir. “Agora é seguir fazendo articulações para buscar apoio na defesa dos nossos direitos. Toda vez que surgir uma oportunidade, vamos tentar agendar reuniões e audiências junto aos órgãos responsáveis pelos assuntos indígenas, como educação, saúde, território e meio ambiente.  Vamos continuar a luta para que o Incra e o governo do estado possam atender nossa demanda. Não parar a luta é muito importante para a gente”. 

Protocolo Wajãpi 

Criado em 2014, o Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi é um documento pioneiro: eles foram o primeiro povo indígena do Brasil a criar um protocolo próprio que oriente as autoridades governamentais na realização de consultas prévias para medidas que os atinjam. Os Wajãpi foram o primeiro povo a exercer na prática o direito dos indígenas de serem consultados e participarem das decisões administrativas, por meio do diálogo intercultural marcado por boa fé. 

Clique aqui para assistir o documentário sobre o protocolo de consulta Wajãpi e as duas primeiras etapas da Consulta Prévia do Incra e do GEA sobre o tema.  

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