Povos do Oiapoque vão à Brasília levar preocupações sobre exploração de petróleo

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Comitiva formada por indígenas, ribeirinhos, pescadores e quilombolas passou dias se reunindo com representantes do governo cobrando uma consulta prévia sobre a exploração de petróleo na costa do Oiapoque

Texto: Estefany Furtado*

Uma comissão da sociedade civil do Oiapoque (AP) foi a Brasília levar suas principais preocupações acerca da exploração de Petróleo na Foz do Amazonas. Esses são povos que dependem da costa do Amapá para sua subsistência. Em destaque esteve a cobrança da consulta livre, prévia, informada e de boa-fé no processo de licenciamento desse projeto. 

Membros do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque (CCPIO) e do MPF (Foto: Bianca Oliveira)

As reuniões aconteceram entre 13 a 16 de maio com os indígenas das etnias Karipuna, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, pescadores da Colônia Z-3, ribeirinhos e quilombolas. Do lado do governo, estavam representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME), Ministério Público Federal, da Organização Internacional do Trabalho e da Fundação dos Povos Indígenas (Funai).

Os indígenas, que já se reuniram no ano passado com os mesmos representantes, sentiram que desta vez o cenário é mais preocupante, sem garantia de cumprimento da legislação brasileira e de seus direitos específicos.

O que está ocorrendo é uma disputa de narrativas sobre os fatos, dos povos e comunidades tradicionais com a Petrobrás. Mas essa disputa é absolutamente desigual.

CCPIO, pescadores e ribeirinhos com a presidente da FUNAI, Joênia Wapichana

Para Edmilson Oliveira, Cacique e Coordenador do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque (CCPIO), houve uma diferença na recepção e tratamento dos povos indígenas, em comparação com a última visita.

CCPIO, pescadores e ribeirinhos com a Ministra Sônia Guajajara. (Foto: Bianca Oliveira)

“Tivemos decepções em alguns órgãos de apoio aos povos indígenas, as lideranças se sentiram desprivilegiadas. Esse ano o presidente do IBAMA não fez uma fala a favor dos povos e comunidades tradicionais. O MME, também, foi muito difícil, saímos ofendidos com algumas falas,”, informou Edmilson.

O coordenador-geral de Política de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural do MME, Carlos Cabral, afirmou que não consegue enxergar quais são os impactos apresentados pelas comunidades.

CCPIO, pescadores e ribeirinhos com o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho

A  Petrobrás tem se reunido com diversas instituições em Brasília, além de políticos do estado do Amapá, para apresentar seu projeto a partir de uma narrativa de diálogo com as comunidades indígenas e tradicionais, o que não é verdade. Sem um plano de comunicação social, a Petrobrás tem deixado de lado as representações políticas legítimas dos povos e comunidades tradicionais, o que tem gerado conflitos internos entre as comunidades.

A recusa da estatal brasileira em realizar a consulta, seguindo o Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque e conforme a Recomendação do Ministério Público Federal, compromete a participação indígena e viola esse direito garantido pela Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Decreto 5051/2004. Além de demonstrar uma má-fé no processo.

Para Elton Aniká, advogado indígena da etnia Karipuna, o que se extraiu do entendimento dos órgãos que representam o estado brasileiro é um discurso “salvacionista” de que o crescimento do país depende exclusivamente do petróleo da Foz do Amazonas, ignorando todo processo de transição energética e discussão global sobre mudanças climáticas. Chegaram a afirmar que o interesse nacional está acima de qualquer vida.

CCPIO, pescadores e ribeirinhos com equipe da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente

“O que se observa é a maneira como é deixado de lado pelos órgãos de governo e outros segmentos, os impactos que esse empreendimento irá trazer para a região como um todo. Ou seja, para eles, o que está importando no momento é a possibilidade que essa descoberta trará de retorno financeiro através de royalties para os governos”, diz Elton.

Impactos da exploração de petróleo

As questões levantadas são: a inclusão dos impactos às comunidades no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) no âmbito do processo de licenciamento, o atendimento aos estudos complementares solicitados pela FUNAI e a necessidade de consulta às populações tradicionais que dependem da costa do Amapá para as atividades de subsistência, como os pescadores. 

Os povos indígenas relatam que os sobrevoos, a criação de expectativa da população de Oiapoque e a mudança do local do Aterro Sanitário do Município de Oiapoque já são alguns dos impactos ocasionados pelo projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mesmo que a licença ainda nem tenha sido expedida.

A principal preocupação das comunidades é essa recusa em realizar a consulta e a falta de detalhamento dos impactos específicos às comunidades tradicionais. Neste primeiro momento, está em andamento o processo de licenciamento de apenas um bloco, o FZA-M-59, mas há uma série de outros blocos em diferentes etapas do processo na mesma região. Por isso, as comunidades estão tão preocupadas que o processo passe por todos os ritos legais necessários. 

CCPIO, pescadores e ribeirinhos com dirigentes da Organização Internacional do Trabalho no Brasil

Os pescadores artesanais, a depender do número de blocos explorados na Foz do Amazonas, são o público mais impactado, podendo perder grandes áreas de pesca, já que a disputa vai ficar ainda mais acirrada com grandes embarcações de pesca industrial, que utilizam a costa do Amapá.

CCPIO, pescadores e ribeirinhos com equipe do Ministério de Minas e Energia

O MPF e a OIT Brasil se comprometeram em apoiar os Povos Indígenas e as Comunidades Tradicionais na garantia da Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa-fé. Agora, resta ao Governo Brasileiro reconhecer suas próprias políticas e as convenções das quais é signatário, e implementar as consultas em seus processos de licenciamento ambiental.

*Estefany Furtado é assessora indigenista do Programa Oiapoque, do Iepé

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