Cartilha destinada a escolas traz informações sobre o uso tradicional do fogo pelos povos indígenas. E alerta para o aumento de incêndios ilegais e de não indígenas próximos às aldeias
Texto: Thaís Herrero
O fogo é um elemento importante e tradicional no cotidiano dos povos indígenas. É usado para a abertura de roças e de caminhos, para o preparo dos alimentos, para a produção de cerâmica e de canoas, entre outros exemplos. Mas controlá-lo é crucial para evitar incêndios que colocam em risco as comunidades, a fauna e os recursos naturais, como rios e florestas.
Em tempos de mudanças climáticas, o manejo do fogo torna-se mais desafiador. Sem contar com os casos de focos de incêndios criminosos perto das aldeias. Neste cenário foi publicada a cartilha “Fogo: Usos e Cuidados”, iniciativa dos Agentes Ambientais Indígenas do Oiapoque (conhecidos como Agamin), em parceria com a AMIM.
O objetivo é a sensibilização por meio de ilustrações, histórias e explicações de como o fogo é usado e como manejá-lo para evitar que se alastre. Além do português, está traduzido nas três línguas dos povos indígenas do Oiapoque (kheuól galibi marworno, kheuól karipuna e parikwaki).
“Traduzimos para acessar mais as crianças e jovens que não falam português. É importante falar na língua materna para entenderem bem”, conta Adilaudo dos Santos, Agamin do povo Karipuna.
Educação ambiental e informação sobre o fogo
A educação ambiental nas escolas é uma ferramenta importante no combate aos focos de incêndio. Portanto, as cartilhas serão entregues nas escolas indígenas das TIs do Oiapoque e os professores poderão usá-las como material didático. “Fizemos a cartilha para distribuir nas escolas e comunidades para mostrar como é preocupante esse tipo de queimada descontrolada. Os jovens estão crescendo e podem ajudar a evitar o fogo”, conta Adilaudo .
A cartilha também será apresentada em reuniões das comunidades para que as pessoas reflitam sobre os grandes impactos ambientais que o fogo pode causar na terra indígena.
“Hoje, nós Agamin precisamos do apoio de todas as comunidades indígenas da região do Oiapoque, para evitar os incêndios descontrolados, pois se o fogo continuar queimando, com certeza a fauna e a flora vão enfraquecer e isso é um grande problema. Não queremos perder nossa biodiversidade!”, diz um trecho do material.
Antes mesmo de ter a cartilha em mãos, Adilaudo vem se dedicando a visitar escolas e promover atividades de sensibilização. “Falei com os alunos sobre o fogo e o que ele traz de prejuízo. As professoras pediram para a gente voltar porque gostaram muito da atividade”, conta Adilaudo.
Aumento nos focos de incêndio no Oiapoque
A ideia da cartilha surgiu durante o curso de formação dos Agentes Ambientais Indígenas, quando notaram o aumento dos focos de queimadas no Oiapoque. Em 2023, o fogo consumiu 48 mil hectares dentro das Terras Indígenas da região.
Rafael Monteiro Hortêncio, Agamin do povo Galibi Marworno, conta que acompanhou nos satélites as queimadas no verão. “Vimos que está aumentando. Muitas das aldeias estão em campos alagados, mas tem pessoas de fora [não-indígenas] que colocam fogo nas proximidades e o fogo alcança as aldeias”, conta.
Muitos focos de incêndio são de origem criminosa de pessoas que queimam áreas de fazenda ou para abrir caminhos perto da Rodovia BR 156, onde ficam várias aldeias no Oiapoque. Rafael se lembra de uma vez que presenciou um não indígena ateando fogo em uma área próxima à sua comunidade. “O fogo chegou na minha aldeia e deu o maior prejuízo. O igarapé até secou”, conta.
Rafael ressalta, no entanto, que é importante sensibilizar todas as pessoas porque alguns podem não saber os riscos de acender pequenas fogueiras e não tomar cuidado. “Eu mesmo não tinha esse conhecimento e hoje eu tenho. Às vezes um cigarro, um picnic que você faz para assar um peixe, pode virar fogo que descontrola”, diz Rafael.
Os Agamin pretendem colocar placas em pontos estratégicos da rodovia alertando sobre a irregularidade do fogo e para coibir invasões nas Terras Indígenas.
Mudanças climáticas
Os Agamin também destacam na cartilha que um perigo a mais em relação aos incêndios são as mudanças climáticas, que tornaram os verões mais quentes e secos, facilitando que o fogo se alastre sem controle. “Vemos que o tempo já está mudando. Está muito quente. Estamos preocupados com nossa floresta, nossos lagos e igarapés”, diz Adilaudo.
Rafael lembra do estudo dos marcadores do tempo (LINK), em que explicam como perceberam que as estações estão mais descontroladas. “Não sabemos mais o dia que vai chover, então fica mais perigoso manejar o fogo e não conseguir controlar”, diz o Agamin marworno.
Próximas Oficina nas escolas
Com as cartilhas em mãos, os Agamin farão visitas a escolas de 30 aldeias durante duas semanas em setembro. Eles estarão acompanhados de representantes da Associação das Mulheres em Mutirão (AMIM), ICMBIO, PrevFogo, Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) e da FUNAI. O Iepé vai apoiar a atividade.
*A produção da cartilha “Fogo: Usos e Cuidados” e as atividades nas escolas são parte do Projeto “Enfrentamento às queimadas nas Terras Indígenas do Oiapoque/AP” da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão – AMIM, com apoio do Fundo Casa Socioambiental, e contaram também com o apoio do Iepé, pelo Projeto TerrIndigena, financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e pelo Fundo Francês Para o Meio Ambiente Mundial (FFEM), e com o apoio do PARNA Cabo Orange, do ICMBio.