Proteção Territorial no Tumucumaque: 50 anos depois, indígenas voltaram a navegar o baixo Rio Paru D’Este

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Uma expedição histórica levou os povos Aparai e Wayana em uma jornada de 10 dias do Rio Paru d’Este ao Laranjal do Jari, território de seus ancestrais

Texto: Maria Silveira

Expedicionários enfrentam as corredeiras durante expedição do Rio Paru d’Este. Imagem: Nacip Mahmud / Iepé

Os povos Aparai, Wayana e Tiriyó navegaram o Território do Paru entre os dias 27 de agosto e 5 de setembro, saindo das Terras Indígenas Parque do Tumucumaque e Rio Paru d’Este, no norte do Pará, até a comunidade Puxuri, no município de Almeirim, seguindo para Laranjal do Jari, no Amapá. Com 25 participantes, a expedição não apenas promoveu a vigilância territorial, mas também buscou testar o restabelecimento  de uma rota de acesso autônoma para os indígenas até a cidade mais próxima, permitindo acesso a políticas públicas, recursos e a comercialização de seus produtos.

Coordenada pela Associação dos Povos Indígenas Wayana e Aparai (APIWA) em parceria com o Instituto Iepé, a atividade foi concebida, planejada e realizada em conjunto com as equipes da Funai Macapá, FPEC-Funai, do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (IdeflorBio/PA) e do Instituto Municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (IMAPA/Laranjal do Jari).

Um drone foi usado para o mapeamento e navegação do Rio Paru d’Este. Imagem: Nacip Mahmud / Iepé

A parte baixa do Rio Paru, território tradicional dos antepassados dos Aparai, ficou de fora da demarcação da Terra Indígena devido à presença de não indígenas e hoje faz parte da Reserva Biológica Maicuru e Floresta Estadual do Paru (IdeflorBio/PA), e da Floresta Nacional do Paru (ICMbio). A região da Terra Indígena é de difícil acesso, com o transporte dos indígenas sendo limitado a voos particulares ou ao apoio de aviões de serviços públicos, como os da saúde. O mapeamento de todo o caminho na expedição vai fazer diferença para que o percurso possa ser utilizado pela comunidade indígena.

“Meu pai ia para Almerim de canoa comprar e vender coisas, os parentes também faziam esse caminho. Para mim, foi importante, porque temos pouco karakuri (dinheiro) para pagar por aeronaves, que são caras”, relembrou o cacique Jurina Apalai, que fez esse percurso pela última vez aos 11 anos, em 1976. 

O navegante mais jovem a embarcar na expedição de 2024 tem 10 anos de idade. Para os indígenas, é muito importante repassar os caminhos trilhados. Imagem: Nacip Mahmud / Iepé

A partida

A expedição começou a ser planejada em 2019, mas enfrentou atrasos devido à pandemia. Diversas reuniões foram realizadas com os povos indígenas, o Iepé, a Funai e outros parceiros. A rota, tradicionalmente utilizada pelo povo Aparai, passa por aldeias históricas. 

Para traçar o caminho, foram necessários relatos etnográficos e a participação de pessoas que já haviam navegado nesses trajetos. A saída partiu das as aldeias Matawaré, Bona, Parapara, Xuixuimene, Pururé, Itapeky, Tyryrymano, Jaherai, Maxipurimo, Aramapuku e Manau, localizadas nas Terras Indígenas Parque do Tumucumaque e Rio Paru d’Este.

Os expedicionários utilizaram canoas para trilhar o caminho. Imagem: Nacip Mahmud / Iepé

Durante os dez dias de expedição, eles se dividiram em atividades onde cada participante tinha uma função específica, como coordenar as canoas, a saúde e segurança, alimentação, além da coordenação geral da atividade e da navegação.

O caminho

A expedição percorreu cerca de 240 km do Rio Paru, desde a Terra Indígena até o porto do Puxuri. De lá seguiram por mais 120 km por estrada de chão até o Laranjal do Jari, passando por corredeiras e cachoeiras. O Rio Paru, com seus muitos braços e ilhas, confunde os navegantes, mas também ajuda a proteger o território com suas barreiras naturais.

No início da expedição, a navegação é tranquila. A primeira descida do Rio Paru foi na antiga aldeia Ahnatum, localizada na divisa entre a Rebio Maicuru e a Flota Paru. Já o primeiro grande desafio de navegação é a cachoeira Turé, que é também outro ponto importante na história do povo.

As cachoeiras Turé e Tapaiokaba são as mais desafiadoras, elas exigem um trabalho coletivo dos participantes, que precisam arrastar as canoas pelas corredeiras. Imagem: Nacip Mahmud / Iepé

“O Turé é um peixinho branco bem pequeno que vive na cachoeira. Ele fica pulando de poço em poço nas corredeiras, e foi com ele que os Apalai aprenderam a dançar o nosso Turé”, contou Parara Apalai, cacique da aldeia Kurupohpano. 

Nacip Mahmud, assessor indigenista do Iepé, falou sobre a importância de refazer o caminho ancestral. “As interações com as comunidades locais e a combinação de conhecimento ancestral com tecnologia moderna foram cruciais para o sucesso da missão, deixando um legado de união e respeito pelas tradições e direitos dos Apalai. Essa expedição faz um sentido contrário da história: de refugiados em outrora, os indígenas voltam como protagonistas da proteção do seu território”, relata Nacip

Pista de pouso clandestina identificada durante o percurso. Imagem: Nacip Mahmud / Iepé

Durante a expedição, foram mapeadas aldeias antigas, corredeiras e praias com o uso do aplicativo Mapeo @Tumucumaque, que é ambientado nas línguas indígenas Apalai, Wayana e Tiriyó. Pelo percurso, foram também identificadas pistas de pouso clandestinas para o uso em atividades ilegais, como o garimpo.

Outra parceria importante foi o encontro com extrativistas da região da Flota do Paru que possibilitou a troca de informações históricas que ressaltaram como esses grupos têm cooperado historicamente em prol da conservação do território e dos recursos naturais da região.

Base dos castanheiros da Flota do Paru, na casa da Dona França, liderança dos extrativistas. Imagem: Nacio Mahmud / Instituto Iepé.

A chegada

No dia 5 de setembro, ao final da noite, a equipe de expedição chegou em Laranjal do Jari onde ficaram hospedados na Casa do Agricultor, espaço cedido pela prefeitura do município. A programação de recepção incluiu visitas ao museu da Fundação Jari, onde puderam conhecer um pouco da história da região e as antigas expedições que aconteceram no Rio Jari e Rio Paru. 

Equipe da expedição chega em Laranjal do Jari. Imagem: Pedro Ribas / Iepé

Representantes da APIWA e demais órgãos parceiros estiveram presentes para recepcionar os guerreiros do Paru. Na ocasião houve também a venda de artesanatos da Articulação de Mulheres Indígenas Wayana e Aparai (AMIWA) para a população local.

Para retornar até às aldeias nas TI Parque do Tumucumaque e TI Rio Paru D’Este, os indígenas saíram na manhã do dia 8 de setembro, em uma lancha facilitada pela Funai.

*A expedição pelo Rio Paru D’Este teve o apoio da Nia Tero, no âmbito do Programa Grande Tumucumaque/LLF e da Bezos Earth Fund.

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