Texto: Thaís Herrero
“Precisamos reconhecer os conhecimentos de especialistas indígenas, que estão no chão do território. São experiências que vão além da academia”. Foi assim que Luene Karipuna, liderança indígena da região do Oiapoque (AP) e Coordenadora da Apoianp, exaltou o trabalho dos Agentes Ambientais Indígenas (conhecidos como Agamin) durante a COP 29, realizada em Baku, no Azerbaijão.
Luene participou da mesa-redonda “Currículos indígenas e materiais educacionais para ação climática transformacional”, promovida pela Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). O evento destacou a importância de práticas e saberes indígenas no desenvolvimento de currículos e materiais educativos no contexto das mudanças climáticas.
O objetivo da mesa-redonda foi compartilhar práticas educacionais indígenas e promover o diálogo entre educadores, formuladores de políticas, governos, instituições acadêmicas e agências da ONU para enriquecer as ações climáticas.
De acordo com o texto de divulgação do evento, “os sistemas de conhecimento indígenas, cultivados ao longo de gerações por meio de observação cuidadosa e interação com a terra e a água, oferecem percepções inestimáveis sobre a administração ambiental e a ação climática transformadora”. Incorporar esses conhecimentos aos sistemas educacionais seria essencial para fortalecer a resiliência e efetividade das ações contra a crise climática.
Outro ponto destacado foi a necessidade de preservar esses saberes, que, por gerações, foram transmitidos por meio de tradições orais, histórias, rituais e envolvimento comunitário. As mudanças climáticas e a marginalização ameaçam esses sistemas, dificultando sua inclusão ética e equitativa nos sistemas formais de ensino.
>> Assista a fala de Luene na íntegra
Experiência de formação dos agentes ambientais indígenas
Durante o evento, Luene apresentou a publicação recém-lançada pelo Iepé, intitulada Transformações ambientais e mudanças no clima: uma experiência de formação entre os povos indígenas do Oiapoque, e distribuiu cópias aos participantes.
>> Acesse aqui a publicação Transformações ambientais e mudanças no clima: uma experiência de formação entre os povos indígenas do Oiapoque em português. A versão em inglês também está disponível.
Luene ressaltou que o trabalho dos Agamin no Oiapoque já traz resultados importantes. Além de pesquisarem como as mudanças climáticas afetam os territórios indígenas, os agentes têm aplicado esses conhecimentos na construção de políticas estaduais para o enfrentamento da crise climática no Amapá.
A publicação preparada pelo Iepé pela coordenadora do Programa Oiapoque, Rita Becker, apresenta os objetivos, o público alvo, os resultados alcançados e a estrutura da formação sobre transformações ambientais e mudanças do clima. Entre 2019 e 2024, foram mobilizados 30 indígenas dos povos Karipuna, Galibi Marworno e Palikur, sendo 7 mulheres e 23 homens. “Esse processo formativo conduzido pelo Iepé focou na formação de pesquisadores indígenas para buscar entender e monitorar certas transformações ambientais que já vem impactando os seus modos de vida, assim como sistematizar seus conhecimentos e percepções sobre os ciclos sazonais e regimes de chuva” explicou Rita Becker.
A formação sobre transformações ambientais e mudanças no clima contou com diferentes financiadores, no âmbito da cooperação internacional e nacional, são eles: Rainforest Foundation Noruega, The Nature Conservancy (TNC), Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), Fundo Francês para o Meio Ambiente Mundial (FFEM), Environmental Defense Fund (EDF) e Instituto Clima e Sociedade (ICS).
Educação para combater o racismo e a discriminação
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também esteve presente no evento e reforçou a importância de valorizar a educação indígena no Brasil. “Temos uma legislação diferenciada que prevê o estudo bilíngue, mas enfrentamos muitos desafios para implementá-la nos territórios indígenas”, afirmou.
Guajajara destacou a necessidade de incluir a história, cultura e legislação indígena nos currículos das escolas regulares, como uma forma de combater o racismo e a discriminação. “Conhecer a história e os modos de vida dos povos indígenas é fundamental para reduzir preconceitos ainda existentes em muitas partes do mundo”, disse.
A ministra enfatizou que os conhecimentos indígenas devem ser reconhecidos como saberes científicos. “É importante que esse conhecimento se traduza em políticas nacionais e implementação prática, contribuindo para o equilíbrio climático de que o mundo tanto precisa neste momento urgente”, concluiu.
Participação da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) na COP 29
Luene Karipuna integra a delegação da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) que participou da XII reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas. O encontro antecedeu o início da COP 29, em Baku, no Azerbajão, ocasião quando ela entregou a publicação sobre a formação dos Agamim aos membros da Plataforma. Foi resposta ao chamamento para a submissão de propostas e experiências que evidenciam práticas e histórias relevantes relacionadas ao desenvolvimento e uso de currículo, e materiais envolvendo povos indígenas no contexto das mudanças climáticas, destacando o conhecimento indígena nos sistemas de educação formal e informal.
“O Grupo Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da UNFCCC têm feito chamamentos para que os países, a sociedade civil e os povos indígenas contribuam com insumos para a implementação dos planos de trabalho da Plataforma”, contextualizou Luis Donisete Benzi Grupioni, coordenador do Iepé e atual secretário da RCA.
Em atendimento a esse chamamento do Grupo Facilitador, para integrar seu Plano de Trabalho atual (2022-2024), o Iepé, que é organização observadora credenciada na UNFCCC, preparou esta publicação.
“Uma das funções estabelecidas para a Plataforma é trocar experiências e compartilhar melhores práticas em mitigação e adaptação, de forma holística e integrada. É a primeira vez que uma organização brasileira contribui com a Plataforma enviando subsídios para seus chamados de submissão”, completou.