Texto: João Bourroul
No início de novembro, a aldeia de Kurupohpano celebrou a inauguração da sua nova Tukusipan. A casa, que demorou cerca de um ano e meio para ser construída, é considerada um espaço público e sagrado, pois é lá que os indígenas se encontram para passar seus conhecimentos ancestrais de geração para geração.
“Toda aldeia, antes de se tornar uma aldeia, é uma roça”, diz Nacip Mahmud, assessor indigenista do Programa Tumucumaque-Wayamu, do Instituto Iepé. “A partir do momento que a Tukusipan está erguida, eles têm de fato uma aldeia”. Em outras palavras: a Tukusipan transforma um lugar de estar em um lugar de ser.
A Kurupohpano é uma aldeia localizada no lado leste da Terra Indíngena Parque do Tumucumaque. Hoje vivem no local cerca de 56 pessoas dos povos Aparai e Wayana, divididas em 12 famílias.
Como construir uma Tukusipan
Essa é a terceira Tukusipan da aldeia Kurupohpano. A casa precisa ser derrubada e construída conforme os materiais utilizados na sua confecção – todos naturais – vão se deteriorando. Por conta disso, em geral a vida útil de uma Tukusipan costuma ser de 10 a 12 anos. O telhado, por exemplo, é feito de ubim – ou alariá – a palha de uma palmeira amazônica. As demais madeiras usadas na construção da casa também são coletadas na mata que faz parte do entorno da aldeia.
“Hoje em dia tem essa nova dificuldade: os materiais têm ficado cada vez mais longe da sede das aldeias”, explica Nacip, que acompanhou todo o processo de construção. O Iepé tem oferecido apoio para que esses recursos naturais possam ser manejados de modo a estarem disponíveis mais próximos das aldeias novamente.
Durante os meses de construção da casa, os homens ficam responsáveis por ir até a mata em busca dos materiais. “Eles aproveitam pra caçar e observar possíveis novos locais de roça”, conta Nacip. Já o papel das mulheres no período se concentra no preparo dos alimentos para os mutirões de construção. “É um processo que envolve todas as famílias da comunidade”, completa.
Arinaware Apalai Wayana esteve presente na cerimônia de inauguração. “Para nós, povos Aparai e Wayana, a Tukusipan é uma casa muito importante, que demonstra que aquela aldeia tem lideranças fortes. A Tukusipan é um símbolo da aldeia”, afirma o presidente da Apiwa (Associação dos Povos Indígenas Wayana e Apalai).
A Tukusipan e o PGTA
A Apiwa é quem procurou o Iepé para solicitar apoio na construção da nova casa. A partir da demanda, o Instituto, parceiro da APIWA na implementação do PGTA dos povos do Tumucumaque, garantiu o combustível, alimentação e o suporte logístico necessário.
Quando os povos do Tumucumaque elaboraram o seu PGTA, organizaram o documento a partir de seis eixos temáticos: educação, saúde, proteção territorial, cultura, governança e o manejo sustentável de recursos. “A cultura não é um eixo separado e sim transversal, porque está presente em todos ao mesmo tempo”, explica Denise Fajardo, coordenadora do Programa Tumucumaque-Wayamu, do Iepé. “A demanda de apoio para a construção de casas tradicionais, como essa Tukusipan que acaba de ser inaugurada, concilia o eixo da governança com o da cultura”, diz a coordenadora.
É na Tukusipan que os indígenas se encontram para confeccionar artefatos como flechas e bordunas, fazer pinturas e traçados, tratar a pimenta, além de promover rodas de fogueira, danças e celebrações. É também lá que os indígenas se reúnem para discutir questões relevantes para o bem viver da comunidade. Além disso, o espaço possui a função de receber e dar boas vindas aos visitantes.
“Quando o karaiwa (não indígena) chega de longe, é na Tukusipan que ele fica. É igual o que karaiwa chama de hotel”, conta Parará Apalai, cacique da Kurupohpano. “Passamos muito tempo construindo essa Tukusipan. Ao todo foi 1 ano e 4 meses de trabalho”, completa o cacique.
A festa de inauguração começou na noite do dia 4 de novembro e só terminou na manhã do dia 5. Todos os moradores da aldeia estavam presentes e vestidos a caráter para a ocasião especial – enquanto a pimenta era defumada dentro do espaço, os indígenas celebravam com danças, flautas e sakura, uma bebida fermentada feita com mandioca e batata-doce.
“Já dancei muito quando eu era novo. Agora, cheio de reumatismos, não dá certo, não danço mais não”, finaliza Parará, com a certeza que as próximas gerações seguirão os passos de sua dança sob o abrigo dessa e das próximas Tukusipans.