Problemática do garimpo é discutida por povos indígenas do Brasil, Guiana Francesa e Suriname

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Um manifesto sobre o garimpo foi elaborado durante o Terceiro Encontro Transfronteiriço dos Povos Indígenas do Brasil (Amapá e norte do Pará), Guiana Francesa e Suriname, realizado entre os dias 7 e 10 de dezembro de 2010 em Galibi, no Suriname. O documento é fruto de um debate iniciado no Segundo Encontro Transfronteiriço, realizado em 2009, na cidade de Saint Georges de l’Oyapock , na Guiana Francesa, no qual um Grupo de Trabalho, inteiramente dedicado à essa problemática, levantou uma série de questões ligadas à esta prática tanto nas escalas local quanto regional e transnacional.

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O garimpo realizado em Terras Indígenas ou em suas áreas de entorno gera graves impactos ambientais (como fragmentação florestal e a contaminação de rios por mercúrio e cianeto) e sócio-econômicos (a exploração de ouro, além de causar problemas à saúde derivados da intoxicação por mercúrio e cianeto, também atrai imigrantes e muitas vezes se relaciona a outras atividades ilegais como tráfico de drogas e armas, contrabando de mercadorias, crimes e prostituição), que afetam significativamente o bem-estar das comunidades indígenas, ameaçando sua sobrevivência. Além disso, trata-se de um problema compartilhado por praticamente todos os povos indígenas existentes nessa região.

Face a esse desafio, os participantes deste último encontro deram continuidade à discussão iniciada no segundo encontro, e manifestaram, numa resolução sobre o garimpo, suas visões e reivindicações para que medidas mais eficazes sejam adotadas no sentido de solucionar esta problemática. Além de se disporem a melhorar o diálogo e a colaboração entre si, os representantes dos povos indígenas pedem aos governos dos três países (Brasil, França e Suriname) que adotem rapidamente ações concretas visando minimizar os impactos dessa atividade. Também reivindicam um aumento e uma melhoria da cooperação internacional, já que uma ação conjunta mostra-se indispensável no combate ao garimpo ilegal e suas conseqüências.

Esta resolução, aprovada em sessão plenária, será encaminhada para as autoridades e órgãos responsáveis nos três países.

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Resolução sobre o garimpo

Nós, os participantes do Terceiro Encontro Transfronteiriço dos Povos Indígenas do Brasil (Amapá e norte do Pará), da Guiana Francesa e do Suriname, realizado entre os dias 7 e 10 de dezembro de 2010, em Galibi, no Suriname, falamos em nome de nossos povos no presente e no futuro e declaramos o seguinte:

  • A atividade de garimpo realizada nos nossos territórios e no seu entorno têm efeitos sérios para as nossas comunidades e para o meio ambiente e causam impactos que podem levar à morte de pessoas. Nós dependemos do meio ambiente para a nossa sobrevivência e queremos que os graves impactos do garimpo sejam eliminados. Entre estes impactos encontram-se a poluição dos rios e das florestas, a contaminação das águas, peixes e animais e, conseqüentemente, dos homens, mulheres e crianças. Outras conseqüências da atividade do garimpo são: a perda da autoridade tradicional, a perda de cultura e da identidade dos povos indígenas, o aumento de casos de violência, da criminalidade, do tráfico de drogas, da prostituição e da transmissão de doenças como a malária, AIDS e de outras doenças sexualmente transmissíveis.
  • O garimpo não traz o desenvolvimento sustentável. Os efeitos negativos são muito maiores do que os efeitos positivos. Talvez algumas pessoas possam se beneficiar desta atividade por algum tempo, mas ela prejudica o nosso próprio futuro e o futuro dos nossos filhos.
  • O garimpo é um problema local, regional, nacional e transfronteiriço e por isso, além de dialogarmos entre nós, é necessário que haja uma melhor cooperação entre os países. O garimpo e os seus impactos não são somente um problema técnico, mas também um problema político.
  • Os governos estão realizando algumas iniciativas que não são suficientes. Em muitos casos os governos falam, mas não fazem, ou falam mais do que fazem. Há uma diferença entre o que é dito e o que é feito e as iniciativas não correspondem às visões e às realidades locais.
  • As informações sobre o garimpo na região são ruins e insuficientes. Faltam informações sobre o processo de decisão e sobre a gestão política dessas práticas. Por exemplo, nós, povos indígenas, não fazemos parte dos conselhos que fornecem as concessões para a mineração.

Por isso, decidimos o seguinte:

1) Nós não queremos garimpo dentro dos nossos territórios nem fora deles quando suas conseqüências nos atingem, tanto nossas terras quanto nossas vidas e nossos direitos.

2) Pedimos o reconhecimento jurídico dos nossos direitos, conforme descritos na Declaração da ONU sobre povos indígenas e tribais e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho como o nosso direito coletivo à terra que tradicionalmente ocupamos, nos casos onde isso ainda não foi feito. Também pedimos uma melhor proteção dos nossos direitos, inclusive dos direitos de consentimento livre, prévio e informado em todas as atividades que podem nos afetar, bem como a nossa participação total e efetiva em todas as decisões tomadas como, por exemplo, os atos de concessão de direito de exploração de recursos naturais.

3) Estamos dispostos a adotar medidas jurídicas como apelar às instâncias internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Européia de Direitos Humanos, entre outras, para que o respeito aos nossos direitos seja garantido.

4) Enquanto povos indígenas,vamos melhorar a cooperação entre nós para enfrentarmos o problema do garimpo e suas conseqüências e pedimos aos governos do Suriname, do Brasil e da França que façam o mesmo, especialmente nos níveis de decisão política e de gestão dos territórios.

Assim concordamos e decidimos em Galibi, Suriname, no dia 10 de dezembro de 2010.

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