Entre os dias 29 e 31 de julho foi realizado o Encontro Regional de Mulheres Indígenas e a Assembleia da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão – AMIM na aldeia Manga, Terra Indígena Uaçá (Oiapoque/AP), reunindo mais de 200 mulheres de 20 povos indígenas. Além das mulheres Galibi Marworno, Galibi Kali’na, Palikur e Karipuna que vivem na região, estiveram presentes 27 convidadas de outros lugares da Amazônia, dos povos Kawaiwete, Krikati, Yanomami, Yawanawa, Nukini, Kaxinawa, Tariano, Tukano, Macuxi, Wapichana, Wayana, Aparai, Tiriyó, Kaxuyana e Mebengokré/Kayapó. O encontro também contou com a presença da antropóloga Lux Vidal e das representantes da Rainforest, Ellen Ribeiro e Martina Duffner.
No primeiro dia do Encontro, inteiramente moderado pela diretoria e coordenação da AMIM, foi proposta uma rodada de apresentação das delegações participantes, seguida pela apresentação do histórico de criação e atuação da AMIM, uma das mais antigas organizações de mulheres no movimento indígena regional. Na parte da tarde, desenvolveu-se a pauta da Assembleia Ordinária da AMIM (prestação de contas, apresentação dos projetos em andamento, mensalidades, credenciamento e levantamento dos projetos prioritários para mulheres indígenas na região).
“Estamos aqui para se organizar, estamos aqui para aprender, para discutir. Não foi fácil fazer essa associação, mas estamos aqui em pé, continuando o trabalho das mulheres indígenas do Oiapoque. Temos muitas parentes aqui nos visitando, fico muito feliz. Participamos de reuniões e nos encontramos em outros lugares. Mas não é fácil sair, porque os nossos maridos às vezes não nos valorizavam, não era fácil deixar vir nas reuniões, nos trazer junto. A primeira vez que eu vim num encontro na Aldeia Espírito Santo, quase que eu desmaiei, porque estava na frente dos caciques, e era difícil” (Elza Figueiredo, Galibi Marworno)
“Estou emocionada que as parentes contaram as dificuldades que elas enfrentaram esses anos, porque essas mulheres são guerreiras. Nós também começamos a discutir e agora temos uma articulação das mulheres. É um jeito de se organizar. Nossos antepassados se organizavam de acordo com as suas culturas, e hoje em dia nós jovens nos organizamos para que possamos trocar com outras mulheres a nossa experiência. A nossa organização surgiu em 2017. E nosso lugar em geral era nossa cozinha, cuidar da nossa roça, cuidar do nosso marido e das crianças, e só. E hoje não, nós precisamos lutar pelos nossos direitos. E nós não nos preocupávamos, mas hoje é diferente, hoje o governo federal quer acabar com a nossa cultura, e por isso precisamos nos unir” (Cecília Awaeko Apalai)
A programação do Encontro de Mulheres foi estruturada a partir de mesas temáticas, oficinas práticas de troca de conhecimentos, exibição do filme Quentura (RCA, 2018), feira de artesanato e intercâmbio de mudas e sementes; além de visita a uma roça Karipuna e à cachoeira da aldeia Manga. As mulheres de diversos povos e regiões puderam compartilhar suas experiências e debater questões em torno da atuação das mulheres nas aldeias e no Movimento Indígena; práticas tradicionais na roça, no cuidado com o território e percepções das mudanças do clima; conhecimentos e práticas com plantas medicinais; direitos e políticas específicas das mulheres indígenas, incluindo o tema da violência contra as mulheres.
“Percebemos que as mulheres precisavam ter mais formações, inclusive nos conhecimentos tradicionais, para fortalecer as suas práticas, pois as mulheres não estavam mais querendo ter filhos com as parteiras, por exemplo, queriam só ir para a cidade. Este nosso trabalho trouxe novamente estas práticas. O trabalho das mulheres cresceu muito nas aldeias. Somos responsáveis pelo fortalecimento da cultura. Passamos a ter novamente orgulho de nós mesmos, e hoje é muito raro ver jovens bebendo e indo fora da aldeia. Hoje é ao contrário, os atrativos para os jovens estão na aldeia. Nós gostamos de viver na aldeia. Nós temos muita beleza. E com este trabalho temos quebrado vários tabus dentro de nosso povo. Hoje estamos ao lado dos homens” (Nedina Yanawa)
“Espero que vocês gravem, anotem, um pouco da minha experiência de estar lutando contra um governo tão difícil que estamos passando, lutando para que possamos continuar lutando. Antigamente só falávamos a língua materna, e só conhecíamos nossa terra. Eu tive dois avôs lideranças, nos quais eu me espelhei, e hoje eu sigo o exemplo deles. E eu falo sobre a luta dos povos indígenas que é de todos nós, lutem mesmo. Vocês já têm um conhecimento e falam português, tem conhecimento em escrita, e eu não tenho, eu ainda falo minha língua e não tenho estudo. Quando vou à luta, eu falo diretamente com os parlamentares, vereadores, deputados, senadores, porque é de lá que vem as políticas públicas, porque é de lá que vem as coisas que nos afetam” (Tuire, Mebengokré/Kayapó).
Além de discutir sobre os direitos dos povos indígenas e especialmente das mulheres indígenas, em distintos grupos menores foram realizadas as oficinas de troca de conhecimentos relativas aos temas: parteiras, alimento tradicional, produção com miçangas, pintura corporal, cuia e banhos, sabonetes e shampoos naturais.
O Encontro terminou com uma festa tradicional e no dia 01 de agosto as convidadas realizaram uma visita a duas outras aldeias na TI Uaçá: Aldeia Açaizal, onde conheceram os projetos de manejo de citros, banana, açaí e meliponicultura, e aldeia Santa Isabel, onde mora a presidente da AMIM, Dona Bernadete.
No retorno para Macapá, no dia 03 de agosto, foi realizada uma parada na cidade de Oiapoque para visita ao Museu Kuahi, conduzida pela coordenação da AMIM e pela antropóloga Lux Vidal, e uma visita e almoço na aldeia Ahumã, onde foram recebidas pela Cacica Creuza.
O evento foi organizado e realizado pela Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM), contando com a parceria e apoio da CESE, da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé, da Rede de Cooperação Amazônica – RCA e da The Nature Conservancy no Brasil – TNC.