I Etapa do curso de formação sobre transformações ambientais e mudanças no clima ocorre nas Terras Indígenas do Oiapoque

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Aquecimento global, desmatamento na Amazônia e as percepções indígenas sobre as transformações ambientais foram os temas desta etapa inicial

Entre os dias 25/11 e 07/12/2019, ocorreu a primeira etapa do curso sobre transformações ambientais e mudanças no clima no Centro de Formação dos Povos Indígenas do Oiapoque (TI Uaçá). Além de dar continuidade à formação dos Agentes Ambientais Indígenas (AGAMIN), o curso também contou com a participação de novos estudantes. No total, a turma tem 26 estudantes indígenas, dos quais 23 homens e 3 mulheres, provenientes das aldeias localizadas nas regiões Uaçá, Urukawá, Curipi, Oiapoque e BR156.

O curso teve início com uma introdução aos conceitos básicos sobre transformações ambientais e mudanças no clima, trazendo o debate contemporâneo sobre aquecimento global, efeito estufa, suas múltiplas causas e efeitos. “Gestão socioambiental e práticas de adaptação às transformações ambientais”, foi o tema da aula ministrada pela bióloga Roselis Mazurek, na qual foram discutidas as percepções indígenas sobre as transformações ambientais e os sinais que indicam essas mudanças, a partir dos conhecimentos Karipuna, Galibi Marworno e Palikur Arukwayene. Foram abordados os problemas socioambientais enfrentados na Amazônia atualmente e sua relação com as transformações ambientais, com ênfase às formas como os povos indígenas vem observando as mudanças no clima/ecológicas, eventos que fugiram do padrão esperado no ciclo sazonal normal e suas próprias explicações sobre estes fenômenos. Por fim, também discutiram sobre as ações que já vem sendo realizadas nas Terras Indígenas, por conta das mudanças em andamento.

Comparando o índice de desmatamento dentro e fora das Terras Indígenas na Amazônia, os estudantes afirmaram:

“Nós, povos indígenas do Brasil, moramos há muitos anos na nossa terra. Somos descendentes dos nossos antepassados e sabemos cuidar da nossa terra e dos recursos naturais. Somos povos guerreiros e fortes. Temos uma relação muito forte com os seres naturais e o mundo espiritual.  Temos nossos pajés que nos protegem junto com os Karuãnas. Quando fazemos nossas roças, não desmatamos uma grande quantidade, como os não índios, mas uma área pequena, de acordo com nossa necessidade. Depois, deixamos recuperar esse lugar por 6 ou 7 anos, para a floresta ficar em pé e depois usar de novo. Isso se chama produção em círculo. Produzimos também produtos variados.  Sabemos respeitar o período de desova e trabalhamos com alguns tipos de manejo, pensando na conservação dos animais e em formas de usar, tirar da natureza sem destruir, para que permaneça para as futuras gerações.

Tudo que está dentro da nossa terra, são nossos bens e fazem parte da nossa cultura e nossa realidade. A forma como agimos com a terra, a nossa visão, é diferente dos não índios. Os não índios só pensam no lucro. Já para nós indígenas é muito mais do que isso. Por isso o desmatamento não é muito grande na nossa Terra Indígena” (Autores do texto: Manoel Severino dos Santos, Rafael Monteiro, Sidelvan Monteiro, Ederlan Pastana e Evandinho Narciso).

A aula sobre “Estado, direitos indígenas e legislação ambiental”, ministrada pelo antropólogo Igor Scaramuzzi, trouxe uma abordagem histórica da colonização e formação do estado brasileiro, discutindo aspectos econômicos, políticos e teóricos da colonização no século XVI, mas também as formas e processos atualizados desta colonização. Dando continuidade a esta discussão, a matéria: “Modelos de desenvolvimento e seus efeitos ambientais”, ministrada pela bióloga indígena Claudiane de Menezes, abordou os diferentes projetos de desenvolvimento para a Amazônia (como extração madeireira, pecuária, monocultura, mineração), trazendo a relação desses projetos com o desmatamento e a emissão de gases do efeito estufa. Também foi trabalhado o processo de captura de carbono das florestas e o fenômeno dos “rios voadores”, reforçando a contribuição da Amazônia para a ocorrência de chuvas no sul e sudeste do país. Por fim, foram discutidas alternativas sustentáveis para a Amazônia, como o desenvolvimento das cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade.

“Sistemas de conhecimento e metodologia de pesquisa”, disciplina ministrada pelo cientista social Vinícius Benvengú, partiu da discussão sobre os conceitos de “teoria” e “ciência”, para chegar à elaboração coletiva de um roteiro de pesquisa sobre os indicadores de transformações ambientais conhecidos pelos povos indígenas, a mudanças percebidas nesses sinais. Foi organizado um plano de trabalho para o próximo semestre, em que os estudantes irão realizar entrevistas com conhecedores indígenas e elaborar diários de pesquisa com o registro das suas observações sobre os sinais ambientais (animais, plantas, estrelas, ventos, rios, etc) e sobre os ciclos da roça. A próxima etapa do curso será a realização de encontros regionais nas aldeias para sistematização dos primeiros dados coletados e planejamento da segunda fase da pesquisa.

Diálogo com a Brigada Karipuna do Prevfogo

No dia 26/11, o chefe da Brigada, Gilvan Nunes, e cinco brigadistas indígenas do Prevfogo fizeram uma palestra para os estudantes indígenas da Formação sobre transformações ambientais e mudanças no clima. Eles explicaram a forma de trabalho do Prevfogo na prevenção das queimadas, com a confecção de aceiros, acompanhamento da queima controlada de roças e ações de educação ambiental; de contenção do fogo, a partir do qual apresentou os seus equipamentos de trabalho: bomba d’água, soprador, enxada, abafador, pá, pinga fogo; e o esforço de recuperação de áreas degradadas, para o qual construíram um viveiro no Centro de Formação e estão produzindo mudas de frutíferas e madeira de lei  – ipê, andiroba, açaí, etc. Explicaram que atualmente a maioria dos brigadistas são indígenas,  e o foco de atuação é nas Terras Indígenas. Destacou-se a possibilidade de realização de ações conjuntas nas aldeias, entre brigadistas e agentes ambientais indígenas.

O Curso de Formação sobre Transformações Ambientais e Mudanças no Clima foi realizado pelo Instituto de Pesquisa e Formação Indígenas – Iepé, em parceria com o Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque – CCPIO e a Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

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