Texto: Iepé
A situação, sem precedentes em nossa história recente, é de agravamento da violência contra os povos indígenas e seus territórios. É nesse cenário de profundos retrocessos, marcado por discursos racistas, negacionismo, políticas contrárias à promoção de direitos humanos, crescente violência contra povos indígenas, aumento de invasões nos territórios indígenas, desmatamento desenfreado e caos socioambiental, que o Brasil chega neste ano ao 4º Ciclo da Revisão Periódica Universal no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Esse quadro de inflexão nos direitos indígenas e de regressão de padrões democráticos e civilizatórios é analisado nos relatórios que a sociedade civil apresenta aos membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Estes relatórios também fazem propostas de recomendações aos países que participam da Revisão Periódica Universal, para que sejam feitas ao Brasil.
Na publicação “Recomendações sobre Povos Indígenas e Meio Ambiente”, preparada pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA), estão reunidas recomendações elaboradas por nove coletivos de organizações da sociedade civil do Brasil para o 4º Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU), das Nações Unidas.
O objetivo do documento é subsidiar missões diplomáticas interessadas em propor avanços na agenda de promoção dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil e para a proteção do meio ambiente.
São contribuições de mais de 100 organizações que atuam na defesa dos povos indígenas, de seus territórios e da floresta amazônica brasileira. “Essas recomendações colocam, em seu conjunto, uma agenda necessária para o país voltar a se comprometer com a promoção dos direitos humanos”, diz Luís Donisete Benzi Grupioni, Secretário Executivo da RCA e coordenador do Iepé, que organizou a publicação.
“Em 2022, o Brasil passará por novas eleições presidenciais, para os governos estaduais, para as assembleias legislativas e para o Congresso Nacional. Abre-se um novo tempo e temos a esperança da mudança, com a retomada da convivência democrática, o cumprimento dos preceitos constitucionais, a observância dos compromissos internacionais, a defesa do meio ambiente e a promoção dos direitos humanos. Esperamos que o 4º Ciclo da Revisão Periódica do Brasil na ONU aponte para compromissos nessa direção”, reflete Luís Donisete.
Diante da chegada do novo ciclo de revisão, neste ano, organizações da sociedade civil brasileira avaliaram o grau de cumprimento destas recomendações e preparam informes que foram enviados ao Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas, para compor o relatório de outras partes interessadas, que integra o processo de revisão de um país no Conselho de Direitos Humanos. A conclusão a que chegaram essas organizações é que nenhuma recomendação do 3º Ciclo referente aos direitos dos povos indígenas foi cumprida pelo governo brasileiro. E mais, boa parte delas está em retrocesso.
Ciclos anteriores
Em 2017, quando aconteceu o 3º Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU) no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil recebeu 246 recomendações. Delas, 34 demonstravam preocupações com os direitos humanos dos povos indígenas. Vários países incluíram a preocupação com a situação da discriminação, vulneralibilidade e violência contra os povos indígenas e recomendaram que fossem adotadas medidas de prevenção e punição ao racismo, à discriminação e à violência contra os povos indígenas.
Houve também recomendações sobre a promoção de políticas públicas de educação escolar intercultural e de promoção à saúde e ao saneamento nas aldeias, combatendo a mortalidade infantil. Recomendou-se a continuidade à proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas, particularmente de processos de demarcação de terras, com garantia de recursos financeiros para a Fundação Nacional do Índio (Funai) e que se buscasse a ampliação da participação democrática dos povos indígenas nos processos de tomada de decisões, indicando a necessidade de avançar na agenda do consentimento livre, prévio e informado.
Contexto político
Desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, em janeiro de 2019, intensificou-se uma intensa e grave ofensiva contra os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil, marcada por racismo, preconceito e discursos de ódios, bem como por ações deliberadas contra órgãos federais que deveriam proteger e promover os direitos desses povos e pelo esfacelamento de políticas públicas construídas em anos anteriores.
Nos últimos anos, todos os processos de reconhecimento territorial indígena foram paralisados; vários projetos de lei que estão em tramitação no Congresso Nacional ameaçam direitos constitucionais e pretendem autorizar a exploração mineral em Terras Indígenas. Todos os colegiados e conselhos ligados à administração pública federal foram extintos, atingindo praticamente todos os espaços de participação civil relacionados às políticas indigenistas. Políticas contra o desmatamento da Amazônia foram enfraquecidas e a floresta, a cada ano, segue sendo mais devastada. Os povos indígenas, seus territórios e seus aliados passaram a ser tratados como inimigos do governo conservador e reacionário de Bolsonaro.