Vários povos, uma Amazônia, uma só voz

data

Lideranças indígenas da Amazônia de cinco países se reuniram para trocar experiências e conhecimentos sobre a governança de seus territórios. Um dos resultados foi uma carta em que reafirmam o compromisso com o bem-viver de seus povos e do planeta.

Texto: Thaís Herrero

Juventino Kaxuyana, Kutanan Wayana, Mayara Apalai, Rosa Tiriyó e Marlúcia Gomes, representantes do Território Wayamu e Complexo do Tumucumaque. (Foto: Thaís Herrero/ Iepé)

“Eu, que sei, te ensino. E você, que aprendeu, me ensina também”. Foi com esta frase que Washinton Tiwi, líder da nacionalidade shuar, do Equador, resumiu o espírito colaborativo do encontro “Conversas da Amazônia”. Ele foi um dos líderes presentes no Segundo Encontro Regional Para o Intercâmbio de Conhecimentos, que aconteceu no mês de setembro em Letícia, na Amazônia Colombiana.

O evento contou com 50 lideranças de 21 territórios indígenas do Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Entre eles, lideranças indígenas da região do Amapá e norte do Pará, acompanhados pelo Instituto Iepé. Outras sete organizações da sociedade civil, que formam a Aliança NorAmazônica, também acompanharam o encontro. 

Representantes indígenas e participantes do Conversas da Amazônia, na Amazônia colombiana. (Foto: Fundação Gaia Amazonas)

O objetivo foi compartilhar experiências, estratégicas e instrumentos de governança que têm avançado nos territórios, garantindo a proteção das terras e contribuindo para manter a conectividade da região Amazônica entre os cinco países. 

Cacique Kumare Waiãpi tocando flauta de osso durante as rodas de conversa. (Foto: Fundação Gaia Amazonas)

Entre as atividades do Intercâmbio, houve uma visita a Mocágua. Depois de terem sidos recebidos pelo cacique, as lideranças também conversaram com homens e mulheres tikuna, yagua, witoto, bora e ocaina, que formam os 5 povos indígenas que vivem lá.

Atualmente, a comunidade está trabalhando com o turismo de base comunitária, uma forma de se fortalecer e assegurar seus modos de vida. Os representantes da comunidade explicaram sobre a estruturação e o diálogo, que durou 16 anos, até que todos estivessem de acordo com a atividade. Para que tudo continue funcionando bem, eles conversam e se articulam com outros atores, como as autoridades do Parque Nacional Amacayacu, uma área protegida que fica a 5 minutos da comunidade. O diálogo constante garante que as normas e leis estabelecidas respeitem os modos de vida indígenas, o território e os povos que estão protegendo a terra.

As casas de Mocágua são pintadas, representando suas histórias e costumes. Nesta, é contada a história do boto. (Foto: Thaís Herrero/Iepé)

As experiências compartilhadas pelos parceiros do Iepé:

1. Wajãpi:  Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento
Recentemente, o povo Wajãpi foi consultado de acordo com o seu Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada, sobre uma proposta governamental de alteração nos limites entre o Projeto de Assentamento  Perimetral Norte, situado na BR-210,  e a Floresta Estadual do Amapá, em uma área contígua à Terra Indígena Wajãpi (TIW). Três representantes desse povo estiveram no encontro  nas Conversas da Amazônia para contar sobre essa experiência. Foram eles: Roseno Waiapi, Marinau Waiapi e Kumare Waiapi, acompanhados pela coordenadora do Programa Wajãpi Juliana Rosalen.

Os Protocolos Autônomos indicam que o direito de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado (DCCLPI) deve ser implementado, de modo oportuno, adequado, respeitoso, honesto e de boa-fé, por ser este um meio de garantir a realização do direito à autodeterminação e a livre escolha sobre as prioridades de desenvolvimento de cada povo, para as presentes e futuras gerações. O protocolo tem por objetivo estabelecer o porquê deve ser feita a consulta, quando deve acontecer, como o povo wajãpi deve ser consultado (procedimentos, regras, participação e representação) e quem tem a obrigação de consultar. Representantes wajãpi presentes:

Saiba mais: Limites entre assentamento da Perimetral Norte e Flota do Amapá são tema da Consulta Prévia ao povo Wajãpi

Roseno e Marinau Waiãpi mostrando o mapa da Terra Indígena Wajãpi, no Amapá. (Foto: Fundação Gaia Amazonas)

2. Wayamu e Tumucumaque: Planos de Gestão Territorial e Ambiental

Cinco representantes do Território Wayamu e do Complexo Tumucumaque se juntaram no encontro Conversas da Amazônia para compartilhar o processo de elaboração e implementação dos Planos de Gestão Ambiental e Territorial da Terra Indígena (PGTAs).

Com cerca de 11 milhões de hectares, esses territórios compõem o Corredor de Terras e Povos Karib. As ações vinculadas à implementação dos PGTAs têm também como premissa o fortalecimento dessas complexas teias que entrelaçam povos e territórios na região norte do Pará.

No Complexo Tumucumaque, o processo de elaboração de um PGTA para as TIs Parque do Tumucumaque e Rio Paru d’Este teve início em 2007 e os documentos foram publicados em 2018. No Complexo Trombetas, o processo de elaboração do PGTA das TIs Trombetas-Mapuera, Nhamundá-Mapuera e Katxuyana-Tunayana teve início em 2013, e foi finalizado em 2020. Os PGTAs têm como principal objetivo estabelecerem acordos coletivos sobre como administrar o território indígena com base nos valores culturais e organizações sociais próprias.

A concepção e a implementação dos PGTAs dizem respeito à preocupação dos indígenas com o futuro e as próximas gerações.  Por meio do PGTA, eles manifestam suas preocupações, anseios e propostas para o presente e futuro. É um instrumento feito por e para os indígenas, segundo suas aspirações e visões de futuro, com a colaboração e o apoio do Estado e de parceiros da sociedade civil.

“Por que estamos construindo os Planos de Gestão Territorial e Ambiental? Para proteger as futuras gerações. Antigamente, nossos mais velhos se reuniam para saber como podiam proteger os territórios. Os Planos de Gestão são parte desse trabalho. Queremos entregar nosso território para o futuro como recebemos no passado”. Juventino Kaxuyana, do povo Kaxuyana, Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, Brasil. (Foto: Fundação Gaia Amazonas)

Os representantes do Território Wayamu presentes foram: Juventino Perisima Kaxuyana, Rosa Kamayu Tiriyo e Marlucia Gomes da Silva. E os que do Complexo do Tumucumaque: Kutanan Wayana,  Maiara Imakararipy Apalai. Eles estiveram acompanhados pela assessora do Programa Tumucumaque Manuella Rodrigues de Sousa.

Confira
> Plano de Gestão das Terras Indígenas Tumucumaque e Rio Paru D’este

> Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Território Wayamu

3. Oiapoque: Expedições de vigilância territorial

As expedições de vigilância nas Terras Indígenas de Oiapoque contribuem para a segurança territorial dos povos indígenas da região e para o melhor reconhecimento das condições dos recursos naturais deste território, de forma a garantir maior equilíbrio ambiental.

O trabalho de vigilância faz parte do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e, para além da proteção territorial, é também uma forma de garantir o bem viver dos povos hoje e no futuro, contribuindo para a promoção e o fortalecimento da governança nos territórios.

Os representantes da região do Oiapoque nas Conversas da Amazônia foram: Claudia Renata Lod Moraes, Lelivaldo Iaparra dos Santos, Gilmar Nunes André, acompanhados pela coordenadora do Programa Oiapoque Rita Becker Lewkowicz.

Assista o vídeo: Expedição Kali’na

Chamado pela floresta

Um dos resultados práticos do encontro foi a construção e publicação da carta “Chamado conjunto dos povos indígenas da Amazônia”.

Os representantes dos povos indígenas presentes no encontro que trabalharam juntos pela carta reafirmam nela o seu compromisso com o bem-estar coletivo e o bem-viver de seus povos e do planeta.

A carta também se direciona à sociedade civil e aos Estados e governos da Amazônia e do mundo todo, para que garantam o pleno exercício dos direitos indígenas, reconheçam formalmente seus territórios, suas próprias leis e sistemas de conhecimento, gestão e governo.

“A partir da força de nossas vozes unida, fazemos um chamado firme aos Estados e governos do mundo, e em particular aos do Brasil, Venezuela, Peru, Equador e Colômbia, para garantir e respeitar o exercício pleno, real e efetivo dos nossos direitos”, diz um trecho da Carta dos Povos Indígenas da Amazônia no 2o Encontro Regional para o Intercâmbio de Conhecimento ‘Conversas da Amazônia.

Acesse a carta aqui.

Esse encontro foi organizado pela Fundação Gaia Amazonas em parceria com o Iepé e outras organizações indigenistas que atuam na Amazônia, no âmbito da Aliança NorAmazônica, apoiado pelos projetos TerrIndígena (financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento – AFD e pelo Fundo Francês do Meio Ambiente – FFEM) e Florestas para um Futuro Justo, apoiado pela  Green Livelihoods Alliance (GLA).

Participantes do Conversas da Amazônia, em Letícia, na Amazônia colombiana. O encontro aconteceu em setembro de 2022. Foto: Fundação Gaia Amazonas)

Mais
notícias