Oficina de grafismos no Oiapoque retoma histórias e cria novas marcas indígenas

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O coletivo de artistas indígenas Waçá-wara se reuniu para analisar, investigar e produzir grafismos tradicionais e contemporâneos por meio da arte e diálogos

Texto: Marcelo Domingues e Lucas Gomes 

Oficina de grafismos. (Foto: Acervo Iepé)

Levando em conta a efervescência da produção de arte indígena do Oiapoque (AP), o coletivo de artistas locais Waçá-wara está organizando oficinas de grafismos e marcas tradicionais para as aldeias da região. O primeiro foi em 17 de abril, com a participação de 15 artistas indígenas da região. As oficinas contam com o apoio do Instituto Iepé e da Fundação Rainforest da Noruega. 

No primeiro encontro, os jovens indígenas abordaram o tema dos grafismos alinhados ao universo cosmológico dos quatro povos indígenas da região: os Galibi Marworno, Galibi Kali’nã, Palikur e Karipuna. 

Os artistas realizaram apresentações sobre os grafismos tradicionais e contemporâneos, sobre a elaboração de um projeto expográfico e sua importância na transmissão e valorização da cultura indígena. Essa pesquisa é parte de um projeto mais amplo, que visa criar um acervo de obras dos quatro povos da região por meio de oficinas, palestras, mostras de filmes e exposições. Tudo isso, abordando o grafismo como fio condutor da investigação, aproximando as linguagens, com experimentos e recursos técnicos contemporâneos.

Apresentação das oficinas

Cantos, histórias e desenhos exclusivamente feitos para a atividade foram apresentados pelos jovens artistas. Um dos trabalhos foi o de Alcimara Karipuna, conhecida como Mara, do povo Karipuna e nascida na aldeia Santa Isabel, Terra Indígena Uaçá. 

A trajetória de Mara é marcada por ações no movimento indígena e sua atividade com cantos tradicionais. Os grafismos em seus trabalhos revelam a conexão entre mundos cosmológicos. “Os grafismos comunicam uma língua de vários mundos. São um conjunto de significados da cultura, de nossos sentimentos e da força da natureza”, disse. 

Outra apresentação teve como tema “Marcas tradicionais Adaminã: tempo dos antigos”, apresentado por Yermollay Caripoune, também da aldeia Santa Isabel e pertence ao povo Karipuna. Yermollay é um artista que produz diversos trabalhos em tela sobre a cosmologia do seu povo.

Durante a oficina, o artista apresentou uma narrativa detalhada sobre a cosmologia do seu povo e a transmissão intergeracional desse conhecimento. O artista explicou a importância do Laposiê na cosmologia Karipuna, que representa a transformação. “Laposiê é o único ser que viaja nos três mundos. Ele modifica tudo e dá criação”, disse. 

Yermollay também apresentou a história do criador, o irmão gêmeo do Laposiê. “Temerõ´Q fica no céu, no alto celestial, no sol. Ele que deu o poder para se transformar e viajar para os três mundos”, conta. 

À esquerda uma representação do Laposiê e à direita um quadro representando o Temerõ´Q Yermollay Karipuna. (Fotos: Acervo Iepé)

Essas apresentações, para Eddyvando Santos, do povo Karipuna, foram importantes para sua formação e para estimular a transmissão do conhecimento entre as gerações. “Quando eu voltar para a aldeia e começar a criar, vou saber falar para as pessoas quando elas me perguntarem ‘quando foi que surgiu essa marca?’, ou ‘de onde veio? quem te contou?”, refletiu.

Noel Henrique, artista do povo Galibi Marworno, trabalha com grafismos e performances, também colaborou com as apresentações da oficina. Noel abordou a importância dos indígenas do coletivo saberem a origem dos grafismos. “Isso permite ter a conexão entre a história de cada povo e os grafismos. Por trás dessa criação tem toda uma história, todo um significado”, disse. 

Novos grafismos indígenas contemporâneos

Junto a Noel Henrique e Eddyvando Santos, Dieimison Karipuna apresentou o tema dos grafismos indígenas contemporâneos. Dieimison destacou as transformações dos grafismos conforme o uso pelos jovens na atualidade. Para ele, essa contemporaneidade se expressa através da sobreposição dos grafismos tradicionais, que permite dar-lhes novos significados. 

Ao mostrar a marca da centopeia e do jabuti, ele explicou como a junção de dois grafismos deu origem a um novo. Essa sobreposição se materializa pela mistura de duas marcas. No centro, temos a marca tradicional do jabuti (kai totxi, na língua kheuol) e, nas laterais, está a marca da centopéia (mil pat, na língua kheuol). Essa junção de duas marcas deu origem a uma nova estética gráfica e uma ressignificação das marcas. 

Marca da centopéia e do jabuti desenhada por Dieimison Sfair Karipuna. (Foto: Acervo Iepé)

Outras contemporaneidades gráficas surgiram durante a oficina. A elaboração de novos grafismos, a partir de elementos e conceitos das aldeias, quando desenhados através de marcas, adquiriram um novo sentido. Para ilustrar essa ideia, o artista criou uma marca representativa do “casarão” chamada, na língua karipuna de mak ghã kaz, que é símbolo de união indígena nas aldeias. 

A criação de novas marcas se inspirou também em elementos da natureza, como é o caso da marca do caranguejo, chamada, na língua karipuna, de mak khab.

A marca do casarão ou mak ghã kaz criação de Eddyvando. (Foto: Acervo Iepé)

Outros artistas presentes na oficina mostraram seus trabalhos sobre as marcas. Cada artista seguiu uma trajetória diferente, dando origem a uma grande diversidade de interpretações. Tairene Karipuna elaborou duas novas marcas a partir de elementos importantes na sua reflexão sobre a identidade indígena do Oiapoque. 

Tairene pensou a nova marca indígena a partir de um dos elementos fundamentais da cosmologia Karipuna: o arco-íris (lakásiel, na língua Karipuna).

Marca do arco-íris, ou na língua Karipuna Mak Lakásiel, desenhada por Tairene Karipuna. (Foto: Acervo Iepé)

Em seu processo de criação, Tairene retomou os padrões tradicionais das marcas indígenas do Oiapoque, como o pontilhismo ou o uso de linhas e curvas. E também refletiu sobre suas próprias experiências dentro do movimento indígena. “Me inspirei na força das mulheres e na ocupação que elas estão fazendo”, disse em referência à presença das mulheres no Acampamento Terra Livre em 2023. O evento ocorre anualmente em Brasília e lideranças indígenas de todo o Brasil se reúnem para reivindicar seus direitos. Tairene chamou essa marca de mak fam, ou “marca da mulher” na língua Karipuna. 

Marca da mulher desenhada por Tairene Karipuna(Foto: Acervo Iepé)

Como montar uma exposição

Outro tema apresentado na oficina foi sobre as formas de se montar uma exposição artística. A responsável foi Bruna dos Santos Almeida, do povo Karipuna e que nasceu na aldeia Manga. Atualmente, Bruna  cursa o  mestrado em Letras, Linguagens na Amazônia, Literatura, Cultura e Memória, na Universidade Federal do Amapá. O tema de sua pesquisa é  “O processo de ensino das narrativas orais dos Karipunas do baixo Oiapoque”. Bruna tem hoje uma página no Instagram com o nome Literatura Indígena do Amapá e Norte do Pará.  

Em sua apresentação, Bruna trouxe sua antiga experiência, quando trabalhou como pesquisadora no Museu Kuahí dos Povos Indígenas do Oiapoque. Assim, apresentou elementos básicos para pensar a montagem expográfica em um museu. As perguntas iniciais foram: Qual seria o público-alvo? Quais seriam as pessoas entrevistadas pelos artistas? Quais tipos de materiais seriam apresentados na exposição?

Bruna dos Santos Almeida apresentando o método a seguir para realizar uma exposição. (Foto: Acervo Iepé)

Os artistas também fizeram pinturas corporais dos grafismos antigos e novos, refletindo seus aprendizados. Na foto, Eziane dos Santos Batista pintou uma das marcas tradicionais dos Povos Indígenas do Oiapoque, a Mak Txuhi, ou a marca do pirarucu na língua Karipuna. (Foto: Acervo Iepé)

Próximos passos

Os membros do coletivo definiram que para as próximas oficinas irão pesquisar as marcas tradicionais e o conhecimento intergeracional em suas aldeias para aprofundar os seus conhecimentos sobre essas temáticas e conduzir uma exposição baseada em referências culturais históricas da região. Além disso, os artistas irão explorar outros suportes de divulgação das marcas indígenas do Oiapoque, como cuias, tecidos, telas, cerâmica, esculturas em madeira, além do trabalho em performance, vídeos e músicas. 

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