Oficinas de artefatos indígenas valorizam a força da arte do Povo Galibi Marworno

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Indígenas do Rio Uaçá realizaram atividade de valorização e transmissão de conhecimentos sobre artefatos entre as gerações dos Galibi Marworno

Texto: Marcelo Domingues

Nascido na aldeia Kumarumã, em uma família de artesãos, Lázaro Getúlio dos Santos cresceu observando as esculturas em banco que seu avô criava para as festas do Turé do Povo Galibi Marworno. “Quando tem uma festa, os antigos anciãos, estão lá fazendo os bancos em forma de arara, de jacaré, de urubu, de outros tipos de aves e animais”, conta. “Nessa hora eu ficava lá, observando, aprendendo”. 

Além de escultor, Lázaro também é agente ambiental indígena. Preocupado com a preservação ambiental, procura trabalhar com madeiras reutilizadas, evitando o corte de árvores. É conhecido na aldeia Kumarumã como mestre artesão e participou das oficinas de troca de conhecimentos e produção artística do Povo Galibi Marworno. 

Mestre Lázaro e o banco da Cobra Grande (Foto: Marcelo Domingues/Iepé)

As atividades foram realizadas na aldeia Kumarumã, na Terra Indígena Uaçá, no município do Oiapoque (AP), como parte do projeto Nossas Terras, Nossas Aldeias – Terras Indígenas do Amapá e Norte do Pará, desenvolvido pelo Iepé com apoio da União Europeia. As oficinas foram conduzidas por 14 mestres e mestras da aldeia de Kumarumã e contou com a participação de 120 pessoas, entre jovens, mulheres e agentes ambientais indígenas. 

As atividades foram realizadas em diferentes locais da aldeia e os mestres e mestras trabalharam a confecção e criação em cestaria, cuia, escultura em madeira, adornos com sementes e miçangas, canoa, remo e remédios tradicionais.

A oficina de remedios tradicionais mostrou a variedade de plantas usadas na Farmacopeia Indígena (Foto: Lucas Gomes/Iepé)

“Essa oficina trouxe pra nós, jovens, esse resgate do que nossos antepassados estavam fazendo há muitos anos”, explica Lázaro. Com os constantes contatos com a cidade e suas tecnologias, cada vez mais os povos indígenas do Oiapoque estão deixando de aprender e praticar experiências que eram comuns em seus territórios no passado, como a confecção de utensílios domésticos, artefatos, canoas, cestarias, entre dezenas de outros materiais de uso cotidiano e ritualístico.

Símbolos, mitos e ritos

Na aldeia de Kumarumã, os grafismos têm forte influência da cultura dos mitos narrados pelas pessoas mais antigas. fazendo referência a uma série de interpretações, como o peixe Kuahí (um losango), o desenho dãdelo (as ondas das águas) ou ainda o macocô (pontinhos que representam estrelas) e a warukamã (estrela d´alva), que é a última estrela da noite a se apagar. Os vários motivos geométricos são ligados à mitologia e à cosmologia, representando os animais e seus espíritos, os Karuãna

Para os Galibi Marworno, os grafismos podem ser trabalhados em diferentes suportes, como cestarias, cuias, tecidos, madeiras, miçangas, telas e papel – além da própria pintura corporal. Para as pinturas corporais, os Galibi Marworno usam o jenipapo e urucum. Para as esculturas em madeira utilizam a tinta acrílica ou tinta a óleo. 

A marca Iarari, que é em formato de nuvens, os indígenas usam para pintar o banco da Cobra Grande. Segundo o educador e artista indígena Milton Nunes, o banco da Cobra Grande tem uma importância muito grande na festa do Turé. “Ela é uma entidade muito poderosa: é ela que fecha a dança no último dia da festa”, afirma Milton. 

Mulheres na oficina de miçangas (Foto: Mel Santos/Galibi Marworno)

A festa do Turé geralmente ocorre durante a lua cheia do mês de outubro. A festa tradicional é realizada para a celebração dos karuãna amigos, seres invisíveis que vivem no outro mundo, como retribuição às curas realizadas por meio dos pajés.           

 “As artes produzidas hoje, não só tem o objetivo de mostrar a parte estética das peças e artefatos, mas expressar a crítica aos dias atuais, preservando a memória de nossos antepassados”, diz Milton.

Arte nas cuias

Nas terras indígenas do Oiapoque, as cuias são marcadas pela forte relação simbólica com a mulher. As cuias são produzidas com a extração da fruta da cuieira. A casca é cortada ao meio e sua polpa retirada. Em seguida, a cuia é raspada, polida e tingida com tintas vegetais, como o cumatê. 

Segundo a tradição dos indígenas Galibi Marworno, a pessoa que for tingir as cuias deve seguir algumas restrições durante esse processo, como ficar em jejum. Milton explica que, com a quebra das restrições, “a cuia pode chegar manchada e muitas vezes a tinta não funciona normalmente”. 

Na ornamentação das cuias, geralmente são inseridos desenhos geométricos ou abstratos, representando folhas da palmeira do açaí, casco de tartaruga, e diferentes temas ligados à mitologia e a natureza, inspiradas pela tradição ou pela própria criatividade particular de cada um.

Exposição das obras

Exposição realizada no encerramento das oficinas (Foto: Fleck Yurley/Galibi Marworno)

No último dia das atividades, o Centro Comunitário da aldeia recebeu a exposição dos artefatos criados durante as atividades. A exibição contou com a presença dos jovens aprendizes, estudantes da aldeia e seus familiares. Foram produzidos 4 bancos em madeira, 12 colheres em madeira, 3 canoas, 10 remos, 16 cuias, 5 peças em cestaria, 60 adornos em sementes e 65 adornos em miçangas.

Mestres e mestras Galibi Marworno presentes nas atividades:

Clemiana Nunes dos Santos – adornos em miçangas

Ilma Alexandre e Josenilda Nunes dos Santos – adornos em sementes

Manuel Inácio dos Santos, José Olímpio Henrique e Antônio Nivaldo – Remo

Lázaro Getúlio dos Santos – escultura em madeira/bancos

Izonildo Pastana Macial – tecelagem

Gonçalo Santos – escultura madeira/colheres

Humberto Monteiro e Aldo Silva – canoa

Francisco Trindade e Maria Regiana Galibis Nunes – remédios tradicionais

Milton Galibis Nunes – cuia

Projeto Nossas Terras, Nossas Aldeias

O projeto Nossas Terras, Nossas Aldeias: Terras Indígenas do Amapá e Norte do Pará tem objetivo de fortalecer a prosperidade e qualidade de vida de 20 povos indígenas. A iniciativa é desenvolvida em uma parceria entre o Instituto Iepé junto a dez organizações de povos indígenas, com financiamento da União Europeia.

Esta publicação é um produto do projeto Terras, Nossas Aldeias – Terras Indígenas do Amapá e Norte do Pará, realizado pelo Instituto Iepé com o financiamento da União Europeia. Este material tem conteúdo de responsabilidade exclusiva do Iepé, em caso algum considerar que reflita a posição da União Europeia.

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