Texto: Maria Silveira e Alessandra Lameira
Na região do Garimpo do Lourenço, zona rural de Calçoene-AP – a 374 km da capital Macapá – foi observado, por imagens de satélite, um aumento de 174% da área afetada pela atividade garimpeira ilegal, entre os anos de 2020 a 2023. Além disso, constatou-se um aumento de 304% na expansão do garimpo para dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque no período de 2022 a 2023, representando uma área de 122 hectares, em comparação aos 30 hectares do período anterior. A área desmatada equivale a mais de 170 campos de futebol.
- Desmatamento observado por satélite na região do garimpo do Lourenço, zona rural de Calçoene (AP). Novas áreas afetadas pelo garimpo ilegal no Lourenço totalizam 1500 hectares no período de um ano. Imagens: Planet/Instituto Iepé
A exploração tem devastado tanto novas áreas como o entorno de áreas antigas de garimpos. A região vem sendo explorada há mais de 130 anos, sendo uma das mais antigas em atividade do Brasil. Os impactos ambientais relacionados ao aumento da atividade de garimpo ilegal na região do Lourenço são severos.
Danos a saúde
No garimpo do Lourenço, a contaminação por mercúrio afeta a bacia dos rios Araguari e Cassiporé, contaminando diretamente a população próxima do curso de rios e igarapés. A exposição a grandes quantidades de mercúrio pode causar tremores, insônia, perda de memória, convulsões, surtos psicóticos e em, casos extremos, a morte. Para obter 1kg de ouro, são necessários 2,6 kg de mercúrio.
O uso do mercúrio na atividade garimpeira interfere diretamente na segurança alimentar na região amazônica, pois o peixe é uma das principais fontes de proteínas consumida, principalmente nas regiões ribeirinhas.
Operação Divertere
Em outubro de 2023, a Polícia Federal, com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Grupo Tático Aéreo (GTA), deflagrou a Operação Divertere, na região do Garimpo do Lourenço. Durante a operação, as máquinas utilizadas pelos garimpeiros foram destruídas. Infelizmente as atividades na região têm sido retomadas e o garimpo se espalha para outras regiões do Amapá.
Segundo informações da Polícia Federal e do IBAMA, o Amapá é uma das regiões alvo dos garimpeiros que foram expulsos de áreas como a Terra Indígena Yanomami. Estima-se que cerca de 20 mil garimpeiros tenham sido expulsos desde o início das operações em janeiro de 2023.
Pesquisas
Em 2023 foi realizado um estudo por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace Brasil, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil que encontrou peixes contaminados por mercúrio comercializados nas feiras do Amapá e de outros seis estados da região norte do Brasil. A Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO/WHO) e a Agência de Vigilância Sanitária brasileira estabelecem teor de 0,5 micrograma por grama.
Um estudo realizado em 2021 pela Rede Internacional de Eliminação de Poluentes em conjunto com o Biodiversity Research Institute (BRI), com apoio do Iepé, revelou a alta contaminação por mercúrio em mulheres do Amapá. As mulheres analisadas vivem em áreas próximas de garimpos e se alimentam de peixes da região. Os índices de mercúrio são três vezes mais altos do que o recomendado pelas agências de saúde.
Em 2020, uma pesquisa publicada pela Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública confirma a grave contaminação de peixes pelo mercúrio usado nos garimpos. Todos os peixes analisados na pesquisa apresentaram níveis detectáveis de mercúrio e 28,7% excederam o limiar de mercúrio da Organização Mundial da Saúde para consumo humano. Porém, quatro das sete espécies com as maiores concentrações de mercúrio estão entre as mais consumidas na região: o nível mais alto foi detectado em pirapucu (Boulengerella cuvieri), seguido por tucunaré (Boulengerella cuvieri) e trairão (Hoplias aimara) – todos peixes carnívoros. As coletas foram realizadas pelo Iepé, ICMBio, Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA) e WWF e analisadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Esse trabalho de monitoramento e estudo realizados pelo Iepé é desenvolvido no âmbito do Projeto TerrIndigena, financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e pelo Fundo Francês Para o Meio Ambiente Mundial (FFEM).