Texto: João Bourroul
Artesanato, turismo, açaí, castanha, óleos, mel, farinha, pimenta… O conhecimento dos indígenas pode se materializar de diversas formas, algumas delas, inclusive, com potencial econômico. Para discutir as melhores práticas e trocar experiências sobre como trabalhar com essas economias da sociobiodiversidade, o Instituto Iepé realizou uma imersão entre 19 e 21 de março em Santarém-PA com a equipe que atua com o tema.
Foto: João Bourroul/Iepé
“O Iepé começou esse trabalho com cadeias produtivas há quatro anos, a convite da Rainforest. E não é de hoje que sentíamos a necessidade de trocar as experiências entre os diferentes territórios”, conta Luis Donisete Grupioni, coordenador executivo do Iepé. “A oportunidade de trocas de experiências em si já é muito rica. Mas também entendemos que um dos objetivos do encontro é construir pontes entre as alternativas criadas para as cadeias produtivas nos diferentes territórios”. Rainforest Foundation Norway é o nome da fundação norueguesa que apoia povos indígenas que vivem em florestas tropicais da Amazônia, África Central, Oceania e Ásia.
Foto: João Bourroul/Iepé
O encontro contou com a participação de 26 funcionários do Instituto – ou cerca de um terço do quadro de funcionários. O primeiro dia foi dedicado às apresentações de cada uma das 21 cadeias produtivas com as quais o Iepé trabalha: o representante de cada “produto” traçava um panorama geral da economia em que atua: histórico, organizações envolvidas, desafios, resultados e planos futuros.
Foto: João Bourroul/Iepé
Clique aqui para conferir a lista completa das mais de 20 economias da sociobiodiversidade em que o Iepé atua!
Após a equipe ficar toda na mesma página, o próximo passo era encontrar desafios e fortalezas em comum para que também fossem encontradas potenciais sinergias e soluções. Por conta disso, o segundo e o terceiro dia foram de muito debate, ora em grupos menores, ora na plenária.
Feira de produtos indígenas
Com o apoio do Iepé, acontece todo mês no centro do município de Oiapoque-AP uma feira com produtos dos povos indígenas das aldeias no entorno da cidade, como artesanatos, açaí, cará, inhame, abóbora e óleos medicinais. Essa iniciativa chamou atenção dos demais programas do Iepé, que buscaram mais informações para se inspirar e eventualmente replicar algo parecido em seus territórios, já que uma comercialização recorrente e sem atravessadores é um modelo bastante atrativo.
Desafios da SocioBio
Quando o assunto são os desafios enfrentados, os temas mais citados são as dificuldades da logística e algumas questões burocráticas, como a gestão financeira e a prestação de contas. No debate sobre indicadores, ficou nítida a dificuldade em “bater metas” ou “demonstrar resultados” sob a régua do mercado diante de uma produção que é desenvolvida por pessoas que têm outras prioridades e operam sob outra lógica.
Foi dado o exemplo da pimenta do Tumucumaque, que não pode ser colhida se já estiver no chão, por respeito aos “donos da pimenta”. Como incluir a cosmologia de um povo indígena dentro de uma planilha de Excel?
Foto: João Bourroul/Iepé
A comunicação também foi um dos temas abordados. Após o exemplo de um grupo de mulheres indígenas que não se reconheciam na embalagem do produto final – apesar de terem participado de toda a produção daquele item – foi comentado que é preciso trazer os indígenas para participarem do processo criativo da identidade visual dos produtos. É preciso que os indígenas detentores do conhecimento que gerou aquele produto olhem a embalagem e se enxerguem ali.
Essa discussão esbarra em outro dilema, mais delicado: a busca por mais parceiros comerciais é necessária, mas o objetivo é expandir a comercialização ao máximo ou focar para que esses produtos, além de lucro, também gerem um reconhecimento e uma transmissão dos conhecimentos tradicionais desses povos? Encontrar esse ponto de equilíbrio é um dos desafios comuns a todas essas cadeias.
Foto: João Bourroul/Iepé
Há um profundo viés político que permeia toda a discussão das economias da sociobiodiversidade, uma discussão repleta de contradições mas também de oportunidades. A complexidade do assunto só demonstra a importância de momentos de reflexão e troca de experiências como o que aconteceu durante os três dias em Santarém.