Texto: Iepé
“Receber o intercâmbio na minha aldeia foi especial e inesquecível, pois pudemos aprender. Um dos momentos mais especiais foi quando fizemos uma roda de conversa e tivemos muitas ideias. Ouvindo as experiências dos parentes de fora e compartilhando a nossa experiência, conseguimos fortalecer e buscar mais soluções, mais projetos de sustentabilidade dentro do nosso território”.
O relato é de Edmilson dos Santos, coordenador do Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) e cacique da Aldeia Curipi, TI Uaçá. Ele e sua comunidade receberam, para um intercâmbio de conhecimentos, um grupo de indígenas, seringueiros, extrativistas e indigenistas que participam do projeto “ForEco – Economias da Floresta”, apoiado pela Fundação Rainforest da Noruega.
O grupo visitou aldeias do Oiapoque para conhecer a produção do açaí, de mel e a futura atividade de turismo de base comunitária. E foram ao Museu Kuahí, ponto turístico do Oiapoque e gerenciado pelos povos indígenas.
Além dos representantes da Fundação Rainforest da Noruega, estiveram presentes os do Iepé, Rede de Sementes Xingu, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Memorial Chico Mendes, Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Associação Wajãpi Terra, Ambiente e Cultura (Awatac), Hutukara Associação Yanomami, Instituto Socioambiental (ISA) e do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio).
“O que mais me impressionou em Oiapoque foi a conexão entre produção de alimentos, turismo, manejo e a produção cultural e social dos povos indígenas, que também se conectam com questões históricas, por exemplo, por meio do Museu Kuahí”, disse Geir Finstad, coordenador do Projeto ForEco na Rainforest. Ele também destacou a luta política de proteção ao território e contra a ameaça petrolífera da região.
Para Teresa Harari, assessora indigenista do Programa Oiapoque do Iepé, o encontro de pessoas de locais distantes e de diferentes contextos, como Acre, Mato Grosso, Amazonas, Pará e Amapá, possibilitou que o intercâmbio fosse tão rico. “As organizações têm muitos desafios parecidos. Cada uma mostra suas soluções diferentes e isso inspira cada uma a lidar com seus próprios desafios”, disse.
Projeto ForEco – Economias da Floresta
O projeto é apoiado pela Fundação Rainforest da Noruega e tem como tema central o fortalecimento das economias da sociobiodiversidade, em especial para produtos não madeireiros. Atualmente, está sendo desenvolvido no Amapá e norte do Pará, Rio Negro (Amazonas e Roraima), Acre e na região da bacia do Xingu, apoiando o desenvolvimento de mais de 76 cadeias produtivas, incluindo açaí, farinha, frutas, mel, castanha, sementes, cumaru, artesanato e turismo comunitário.
O sucesso do açaí do Oiapoque
A Associação Uasei, que desenvolve o manejo e a venda do açaí dos povos indígenas do Oiapoque, está formalizada há apenas dois anos, mas inspirou os visitantes e deixou seus associados orgulhosos. A qualidade do açaí é, sem dúvida, uma das razões do sucesso da Uasei, mas soma-se a isso a governança coletiva, com mais de 200 associados das três Terras Indígenas da região.
Outro destaque é que a pequena agroindústria de processamento do açaí, que foi estruturada com apoio do Iepé, profissionalizou a produção em uma região onde prevalece a venda artesanal. Atualmente, a Uasei possui a única batedeira da cidade que realiza o processo de branqueamento do açaí, que garante a qualidade sanitária do produto. Há também um segredo sobre a forma de bater o açaí que ninguém revela. Recentemente o açaí da Uasei recebeu a licença do Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA).
O açaí é comercializado na loja Empório Uasei, junto a outros produtos confeccionados pelos indígenas do Oiapoque. Durante a visita ao espaço, foi realizada uma roda de conversa sobre os desafios da manutenção de uma loja e as estratégias para a gestão da comercialização junto aos artesãos indígenas, a partir das experiências da Uasei e também da Casa Wariró, de São Gabriel da Cachoeira (AM).
A chegada do turismo de base comunitária no Oiapoque
Está em fase de aprovação, esperando parecer da Funai, a iniciativa de turismo de base comunitária na Terra Indígena Galibi. Será a primeira experiência formalizada dos povos do Oiapoque com o turismo e, espera-se, uma oportunidade de gerar renda para a comunidade e, principalmente, de fortalecer os modos de vida e proteger o território.
O plano de visitação das aldeias foi apresentado durante o intercâmbio e os participantes puderam fazer um pequeno trecho da trilha que será oferecida aos futuros turistas. Renata Lod, vice-cacique da aldeia Galibi, contou que a TI Galibi sempre lidou com turistas que chegavam sem aviso ou informações, pois o território fica às margens do rio Oiapoque e da fronteira com a Guiana Francesa.
A expectativa é que agora apenas turistas com pacotes fechados entrem no território para um ou dois dias de visita. A comunidade vê também uma oportunidade de sensibilizar os turistas sobre os riscos da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, que está bem perto da TI e pode impactar a região.
Os arranjos da sociobiodiversidade
Um tema de destaque no intercâmbio foi como os arranjos produtivos seguem uma lógica diferente daquela capitalista – de alta produtividade e lucro a todo custo. A economia da sociobiodiversidade segue os tempos, acordos e modos de vida das comunidades, passa pela permanência delas em seus territórios e pelo fortalecimento de políticas públicas. A questão das pragas nas roças do Oiapoque foi apresentada, mostrando que ter apenas um produto sendo comercializado deixa os indígenas vulneráveis.
“Para mim foi muito marcante ver de perto tanto a vulnerabilidade quanto a criatividade das comunidades indígenas do Oiapoque, que visitamos nesse intercâmbio. Enquanto estão vivendo o desastre de perder a mandioca, principal alimento e em muitos caso principal fonte de renda, para uma praga nova e desconhecida, estão tentando buscar novas iniciativas, como o açaí” comentou Ellen Ribeiro, coordenadora do Programa Brasil da Fundação Rainforest da Noruega.
O pagamento por serviços ambientais (PSA) também foi abordado entre os participantes como um caminho possível para que as economias da sociobiodiversidade sejam, de fato, apoiadas em sua integridade, valorizando os saberes, formas de ocupação e uso do território dos povos tradicionais e não apenas na lógica de produto/mercado. Algumas experiências foram apresentadas pelos representantes do CNS, tanto com financiamento privado, quanto público.
O Instituto Socioambiental (ISA) tem trabalhado para que ocorra a regulamentação da recém instituída Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (Lei 14.119/2021), e a importância da construção de iniciativas piloto foi ressaltada no debate como uma ação estratégica nesse processo. Mas esse é ainda um desafio e está em andamento uma discussão nacional sobre o assunto.
Microcrédito para coletores
Durante a discussão sobre o desafio em estabelecer um capital de giro para essas iniciativas, as representantes da Rede de Sementes do Xingu apresentaram o “Fundo Rotativo: um Aval Solidário”, um programa de microcrédito exclusivo para os coletores da Rede. O fundo oferece empréstimos para compra de materiais e insumos necessários para coleta, manejo, transporte e armazenamento das sementes e para projetos de agroflorestas nos territórios de restauração. Não são cobrados juros, apenas uma taxa administrativa de 6% sobre o valor do empréstimo, que é descontada no momento de repassar o dinheiro aos coletores.
Continuidade das iniciativas de arranjos produtivos
Nos dias 15 e 16 de junho, o grupo que participou do intercâmbio se reuniu em Macapá para conhecer uma avaliação externa sobre os avanços e dificuldades do projeto ForEco e discutir possibilidades para a continuidade dessa iniciativa, com foco no envolvimento da juventude e de arranjos produtivos envolvendo alimentação.
Juntos, decidiram que será importante nos próximos anos, além de consolidar algumas destas experiências de produção comunitária, incidir para que as políticas públicas federais apoiem tais iniciativas, como as políticas de aquisição de alimentos e de merenda escolar.
Luis Donisete B. Grupioni, antropólogo e coordenador-executivo do Iepé destacou que nos últimos anos, o instituto tem apoiado a estruturação de vários arranjos produtivos nas terras indígenas em que atua. “Estamos muito satisfeitos com os resultados que alcançamos até agora, seja em termos da diversificação do que está sendo produzido e comercializado pelas comunidades – como o açaí no Oiapoque, o mel no Tumucumaque, a pimenta e a castanha no Wayamu, o artesanato nos Wajãpi – seja pelo envolvimento efetivo das comunidades nessas iniciativas. Além de gerar renda, elas mostram que é possível manter a floresta em pé e melhorar a qualidade de vida nos territórios. Estamos animados com a perspectiva de uma segunda fase desta iniciativa”, disse.
*O intercâmbio entre organizações teve apoio do Projeto ForEco, da Fundação Rainforest da Noruega.