ONU se comove com indígenas afetados pelo garimpo e cobra governo brasileiro

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Segundo Julio Ye'kwana, as crianças ainda estão morrendo de malária e desnutrição mesmo depois de o governo brasileiro ter declarado crise de saúde pública na Terra Indígena Yanomami. Representantes da ONU se pronunciaram prontamente e cobraram medidas do Brasil.

Texto: Iepé

“As crianças já nascem entre o ruído dos motores e a poluição. Elas acreditam que nosso mundo é assim, mas não é. Antes, nascíamos com o som dos pássaros e das cachoeiras. Nossas crianças e mulheres estão doentes por causa da contaminação por mercúrio”, disse Júlio David Ye’kwana em seu discurso durante a 17a Sessão do Mecanismo de Peritos em Direitos dos Povos Indígenas da ONU (EMRIP) na tarde de terça-feira 9 de julho.

Júlio Ye’kwana é presidente da Associação Wanassedume Ye’kwana – SEDUUME, está em Genebra, Suiça, integrando a delegação da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e representando a Aliança em Defesa dos Territórios entre os povos Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo.

Júlio David Ye’kwana durante sua fala na ONU. Ele representou a Aliança em Defesa dos Territórios entre os povos Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo. Esses são os três povos mais afetados. (Foto: Acervo Iepé)

Em seu discurso, também denunciou que, apesar de o governo brasileiro ter declarado crise de saúde pública na Terra Indígena Yanomami, as crianças ainda estão morrendo de malária e desnutrição.

“Queremos que a ONU ordene o Estado brasileiro a proteger nossos territórios e expulsar todos os invasores. Que se estruture realmente o sistema de atenção especial para a nossa saúde indígena. Queremos continuar vivendo com saúde em nossos territórios, livres de ameaças”, disse.

A liderança cobrou a estruturação de um sistema de atenção especial para a saúde do seu povo, com profissionais da saúde atendendo as pessoas na comunidade. Pediu, ainda, um plano de tratamento urgente para as pessoas contaminadas por mercúrio não só do seu povo mas de todos os povos impactados pela atividade garimpeira, que contamina os rios, as águas e as pessoas nos territórios.

Ele afirmou que é preciso “ampliar a investigação sobre a contaminação por mercúrio em todas as comunidades afetadas pelo garimpo ilegal no pais”, bem como construir planos “de descontaminação dos nossos rios”. Finalizou sua intervenção dizendo: “Queremos seguir vivendo com saúde em nossos territórios”, sendo longamente aplaudido pela audiência.

Delegação da RCA na 17a Sessão do Mecanismo de Peritos em Direitos dos Povos Indígenas da ONU (EMRIP): Luis Donisete Grupioni, Doto Takak Ire, Júlio Ye’kwana, e Marina Vieira. (Foto: Acervo Iepé)

Repercussão imediata na ONU

O discurso da liderança Júlio  Ye’kwana impressionou a vice-presidente do EMRIP, a norte-americana Dalee Sambo Dorough. No encerramento da sessão, ela se disse perturbada e que as palavras de Júlio Ye’kwana foram direto ao coração de todas as pessoas naquela sala. Dalee convocou diretamente o governo brasileiro ao diálogo urgente com os povos indígenas para tratar das recorrentes denúncias que ouviu.

O Relator Especial de Direitos dos Povos Indígenas, Francisco Calí Tzay, também mencionou o caso específico do povo Yanomami e as ameaças que sofrem devido ao garimpo. Ele cobrou medidas urgentes para frear a destruição ambiental e medidas apropriadas para proteger os povos indígenas e suas terras ancestrais.

“A fala do Júlio Ye’kwana teve uma ótima repercussão na plenária principal. Chamou mesmo a atenção, pois não é comum ter uma menção direta assim na plenária oficial logo depois do discurso”, comentou Marina Vieira, consultora da Aliança em Defesa dos Territórios.

Garimpo ilegal e ameaças aos territórios

O tema do garimpo ilegal e da contaminação por mercúrio já tinham sido temas da fala de outra liderança. No dia 8 de julho, primeiro dia de atividades do EMRIP, Doto Takak Ire discursou pedindo que a ONU cobre o governo brasileiro a criar leis para controlar a cadeia de comercialização do ouro, que está destruindo as Terras Indígenas, bem como criar leis para controlar o comércio de mercúrio e proibir o seu uso pelos garimpeiros.

”O Congresso brasileiro é contra nós e muitas vezes a ameaça vem na forma da lei. Hoje a ameaça é o garimpo ilegal do ouro, mas amanhã poderá ser a regulamentação da mineração industrial dentro das nossas terras indígenas. Não queremos nenhum tipo de exploração dos recursos naturais em nossos territórios”, disse Doto.

“O discurso dessas lideranças aqui na ONU são muito importantes, ainda mais neste momento em que o Congresso Nacional está propondo a PEC 48/2023, que exige a presença física dos povos indígenas nas Terras Indígenas em 5 de outubro de 1988, ano da promulgação da nova Constituição, ignorando os inúmeros processos de conflito, esbulho, expulsão dos territórios durante todo o processo de colonização e que segue até os dias de hoje”, comentou o antropólogo Luis Donisete Grupioni, secretário da RCA e coordenador do Iepé, que também está em Genebra acompanhando a reunião do EMRIP. “Agora é a vez dos garimpeiros, do crime organizado se apossar dos territórios indígenas”, disse.

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