Antropóloga Lux Vidal reconta sua trajetória de trabalho junto ao Instituto Iepé

data

Em comemoração aos 20 anos do Instituto, o Iepé recebeu a antropóloga para compartilhar suas experiências no Programa Oiapoque

Texto: Luiza Nobre

Nascida em 1930, em Berlim, Alemanha, Lux Boelitz Vidal cresceu como uma cidadã do mundo, morou na Espanha, França e Estados Unidos antes de criar raízes no Brasil, em 1960. Formada em antropologia, literatura e teatro pela Universidade Sarah Lawrence, Lux mudou-se para o Brasil inicialmente para acompanhar o marido, e começou a carreira de docente no Liceu Pasteur, como professora de inglês e francês. 

Com o início da ditadura civil-militar no país, ela retomou os estudos em Antropologia, ingressando na Universidade de São Paulo (USP) como mestranda. É em 1968 que Lux inicia as pesquisas entre povos indígenas, com o trabalho etnográfico com o povo Xikrin do Cateté, no sudoeste do Pará. E logo, passou a lecionar no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo. 

“A minha geração passou por uma trajetória marcada pela chamada antropologia à brasileira, que juntava trabalho acadêmico e prática”, recorda Lux durante um encontro com toda a equipe do Iepé em 8 de setembro. Os encontros, chamados Jornada Indigenista, são parte das comemorações de 20 anos do Instituto e irão receber pessoas chave na história da organização.

Em 1979 é criada a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP), formada por juristas, médicos, antropólogos, pesquisadores e entusiastas do indigenismo. “A comissão surgiu na sala da minha casa”, conta. Lux faz parte do Conselho da CPI-SP até hoje.

Foto de arquivo / Lux Vidal

Quase três décadas depois, Lux conheceu a região do Oiapoque (AP), lugar onde, anos mais tarde, seu trabalho se cruzaria com o do Instituto Iepé. “Eu fui para o Oiapoque a convite do Dionísio Karipuna, que conheci através do Dr. João Paulo Vieira. Ele me convidou e eu fui com mais uma aluna. Eu não sabia para onde eu ia, não tinha feito contato prévio com a FUNAI, estava indo apenas a convite do Dionísio. Quando chegamos na aldeia, eles falaram ‘aqui nós não temos nada. Vai para os Palikur que lá tem índio de verdade’. Então decidi que seria ali [com os Karipuna] que ficaríamos e armaríamos a barraca. Se eu tivesse mesmo ido, talvez pensasse que ali não tinha nada mesmo”, diz ela, recordando o início do trabalho no extremo norte do Amapá. 

Foto de arquivo / Lux Vidal

A partir de então, começa a longa relação da antropóloga com os povos os povos Galibi-Marworno, Galibi-Kali’na, Karipuna e Palikur, das bacia dos rios Oiapoque, Curipi, Urukauá e Uaçá. Dessa relação de pesquisa antropológica e assessoria indigenista nasceu a proposta de criação de um museu concebido e gerido pelos próprios indígenas, que se tornasse um elemento catalisador de fortalecimento cultural na região. Nascia o Museu Kuahí dos Povos Indígenas do Oiapoque, com uma equipe inteiramente indígena, que foi incorporada ao plano de governo do então governador do Amapá João Capiberibe

“A minha relação com o Iepé começou em 2002, mas eu já estava no Oiapoque desde os anos 90”, relembra.

“Tínhamos que explicar para os índios que o Iepé fazia um bom trabalho. Conversamos com os índios, eles aceitaram e foi assim que começou. Hoje o Iepé de Oiapoque está muito bem, continuo sempre em contato com a equipe de lá”.

Lux recebeu, em 2010, o título de Professora Emérita da Universidade de São Paulo, onde participou da formação de gerações de antropólogos que hoje atuam em diferentes universidades, órgãos de governo e organizações da sociedade civil. Ela foi precursora dos estudos de etnoestética e arte indígena no Brasil. 

Jornada Indigenista, encontro com toda a equipe do Iepé, em setembro de 2022, parte das comemorações dos 20 anos do Instituto (Foto: Thaís Herrero)

“A minha maior contribuição foi a demarcação e ampliação da TI Xikrin do Bacajá (PA). Eu me opus energicamente contra a vinda do grupo Bacajá para o Cateté, sobre a qual alguns índios e especialmente o Padre Caron tanto insistiam. Teria sido um desastre. Foi a conquista de um amplo território, agora chamado Trincheira do Bacajá, e isto devido às circunstâncias favoráveis. O apoio da Vale do Rio Doce, o apoio da FUNAI de Altamira, na pessoa do Benigno, com quem percorremos o território, o apoio qualificado do Gilberto Azanha, naquela época na FUNAI Brasília, o apoio jurídico do Núcleo de Direitos Indígenas, entidade de apoio independente em Brasília, com Márcio Santilli e Carlos Marés, e finalmente o apoio do Ministro da Justiça, Carlos Dias. Esta foi uma ação bem sucedida, diferentemente da demarcação da TI Xikrin do Cateté, que sob diversas pressões já na época sofreu drásticas reduções” – Lux Vidal.

Conheça algumas publicações de Lux Vidal na infoteca do nosso site:

Mais
notícias