Texto: Rita Lewkowicz e Thaís Herrero | 17 de março de 2021
Março é um mês esperado nas aldeias do Oiapoque já que, desde 2005, acontece um evento importante: a soltura na natureza dos filhotes de tracajás. No começo eram centenas, mas ano após ano, os números se superam. Desta vez foram 2591 filhotes que nadaram livres pelos rios e campos alagados das Terras Indígenas de Oiapoque.
A soltura dos quelônios faz parte do projeto de manejo de ovos chamado Kamahad Tauahu – Nukagmada Mewka, que significa “amigos dos tracajás” na língua dos povos do Oiapoque. O objetivo é garantir que eles nasçam e cresçam com segurança até o momento de serem independentes. A iniciativa partiu dos indígenas, que há tempos percebiam o desaparecimento desses animais na região. “Se não fizermos esse trabalho do manejo do tracajá, no futuro, nossas crianças não vão nem conhecer o que é o tracajá, pois já vai ter acabado tudo”, disse o cacique Bayzinho, da Aldeia Aruatu.
Não à toa os eventos de soltura envolvem toda a comunidade, principalmente os professores e as crianças. São realizadas brincadeiras para ensinar sobre os animais e a importância de cuidar deles, além de jogos de perguntas e respostas sobre os modos de vida do tracajá e sobre o trabalho dos Agentes Ambientais Indígenas.
Neste ano, houve uma novidade: a exposição educativa com muitas informações, histórias e imagens sobre os tracajás. Confira o material da exposição “Tauahu, Mewká, Pingowea: o tracajá e seu manejo nas TIs de Oiapoque”.
Esses eventos de soltura são também espaços de conversa com as lideranças mais velhas e uma oportunidade para que elas relatem como era antigamente, quando havia muito mais tracajás do que agora. Segundo os depoimentos, foi graças ao projeto que eles estão reaparecendo na região do Oiapoque.
A coleta dos ovos de tracajá é feita sempre entre os meses de setembro e outubro. Eles são transplantados para incubadoras nas aldeias, onde os ovos ficam em ninhos, protegidos dos predadores, até que eclodam. Leia mais sobre a coleta de 2020 neste texto.
Desta vez, também foi realizada a pesagem e medição dos filhotes de tracajás para melhorar o monitoramento do projeto. No entanto, apesar do alto número de ovos coletados, houve um alto índice de mortalidade. Os Agentes de Ambientais Indígenas (Agamin), que são os responsáveis pelo projeto, explicaram que a causa pode ser as mudanças climáticas: a chuva veio mais intensa do que o normal desde outubro de 2020 e isso fez com que a terra não esquentasse e alcançasse a temperatura ideal para chocar os ovos, além disso, alguns filhotes nasceram menores do que o esperado. Esse foi um fenômeno que ocorreu inclusive em outras regiões do Amapá, apontando que não foi um acaso isolado.
As atividades de manejo de tracajás estão de acordo com o Programa de Gestão Territorial e Ambiental dos Povos Indígenas do Oiapoque (PGTA) e com o Plano de Vida, que são instrumentos construídos coletivamente para planejar o futuro das aldeias e das próximas gerações.
Participaram desta etapa de soltura: Rita Lewkowicz, do Iepé, Haroldo dos Santos e Coaracy Gabriel, da Funai, e os seguintes Agentes Ambientais Indígenas: Adailson dos Santos Narciso, Caviano Benjamin Forte, Egson Monteiro Clarindo, Evandinho Narciso, Garcia Narciso, Geô Ioiô, Gilmar Nunes André, Jessinaldo Labonte Ioio, Lelivaldo Iaparra dos Santos, Manoel Severino dos Santos, Mercias Silva Narciso, Nerio Forte Karipuna, Rivaldo dos Santos Forte, Ronaldo Narciso Anicá, Ronivaldo Severino, Sedrick Anicá dos Santos e Sidelvan Monteiro dos Santos.