Texto: Marcelo Domingues | 13/12/2021
A serigrafia é uma linguagem artística que envolve uma diversidade de procedimentos muito interessante quando aplicada à arte indígena, apesar de ainda pouco explorada enquanto instrumento educativo e fonte de renda por essa população.
Segundo Davi Marworno, do povo Galibi Marworno, a serigrafia envolve um processo artesanal. “Ela tem um passo a passo que vai desde a construção da tela, construir e preparar o desenho e fazer a revelação, até o processo de estampa, que é a última etapa.” E, por haver diferentes formas de realizar a serigrafia, ela entrelaça técnica e poética, em um processo de alimentação mútua.
Realizadas pela Associação das Mulheres Indígenas em Multirão (AMIM) e seus parceiros, as oficinas fizeram parte de um ciclo de capacitação, que passou por cinco regiões das quatro Terras Indígenas do Oiapoque, somando cerca de 250 participantes. As atividades contaram com o apoio de The Nature Conservancy (TNC), Iepé – Instituto de Formação e Pesquisa Indígena e o projeto Akari.
O jovem indígena Davi Marworno foi o condutor das atividades e contou com a colaboração de Keila Palikur. Essas oficinas possibilitaram a continuidade dos trabalhos de corte e costura, desde que a AMIM comprou máquinas para a confecção de máscaras nas aldeias em razão da pandemia. Para as atividades de 2021, a equipe e os participantes seguiram todos os protocolos sanitários de segurança da Casa de Saúde do Índio (CASAI).
O projeto tem uma perspectiva de gerar renda e resiliência aos povos indígenas no pós-pandemia e já se expandiu, com atividades realizadas em um ateliê no município de Oiapoque, onde foram produzidos novos itens a partir das técnicas aprendidas.
“Ao longo dos anos, a gente vem comprando uniformes de fora, então, já que hoje a gente tem esse conhecimento, acredito que vamos dar continuidade. Daqui alguns anos ou mais pra frente, nós vamos produzir nosso próprio material”, relatou o educador Elielson Nunes, do povo Galibi Marworno.
Com a estruturação do ateliê em Oiapoque, as organizações indígenas estão discutindo questões sobre a gestão e quais os benefícios para os autores e produtores das peças, com reconhecimento, inclusive, financeiro.
Pensar, planejar e executar um projeto dessa dimensão exigiu um trabalho em conjunto entre a equipe da AMIM, as organizações indígenas e seus parceiros. “A oficina trouxe para a nossa juventude um ponto de vista a mais, mais elevado em relação à nossa realidade, aos fatos que estão acontecendo hoje em nossa comunidade, no Brasil afora e no mundo”, contou o educador e artista Milton Nunes, do povo Galibi Marworno.
Durante as atividades, a composição das equipes para trabalhar os desenhos se formou em função da motivação e amizades que os participantes tinham entre si, sendo geralmente da mesma aldeia, parentes ou colegas de escola. Eram nesses pequenos grupos que foram realizadas atividades de montar o tecido no chassi, criar os desenhos, revelar a tela e transferir para os suportes.
Resgate das referências cosmológicas
Muito dos desenhos criados remetem ao conjunto de relações simbólicas, mitológicas e sociais existentes entre os quatro povos indígenas da região. Aguinaldo Martins, do povo Palikur, contou que alguns jovens têm experiência em desenhar, mas não têm ideia de como utilizar esses desenhos. “A oficina vem nos ensinar que esses desenhos podem ser utilizados em vários tipos de suporte”, disse.
O costume da confecção em escultura em madeira, cestaria e cerâmica está ligado diretamente ao universo cosmológico do povo Palikur. Na criação dos desenhos para a serigrafia, muitos dos participantes utilizaram essas imagens como referência. O desenho criado por Aguinaldo, por exemplo, representa um barco kusuvwi.
“Antigamente, quando estava no céu, ele passava e trazia junto chuva e peixes. Conforme passava, ele fazia os peixes aparecerem na água e fazia pingos, que era a chuva. Isso fazia com que as marés ficassem cheias,” explicou Aguinaldo.
As representações gráfica e imagética dos quatro povos do Oiapoque são visíveis em suas criações. Pássaros, cobras, maracás e peneiras, além de muitos outros objetos, aparecem representados nas imagens, geralmente acompanhados de grafismos e marcas locais.
Para Lia Roberta, do povo Karipuna, com as influências culturais de fora da aldeia, os jovens se desligaram da cultura local. “Ter esse tipo de atividade é muito importante, tanto para nos unirmos enquanto comunidade, quanto para a gente se conectar melhor com a nossa cultura, criar uma relação com o trabalho mais saudável”, concluiu.
Registros em vídeo
Durantes as oficinas, o registro audiovisual acompanhou grande parte das atividades. As filmagens permitiram explorar diferentes pontos de vista, já que em cada aldeia formava-se uma equipe paralela às oficinas, e os participantes ficavam responsáveis por registrar cada etapa do processo de criação da serigrafia.
As imagens possibilitaram vídeos abordando os procedimentos principais de cada atividade, intercalados por entrevistas realizadas com os participantes. Os materiais foram publicados nas redes sociais da AMIM e do Iepé.
Foto topo: Camisetas produzidas nas oficinas de serigrafia na aldeia Santa Isabel, do povo Karipuna (Foto: Nawã Rodrigues)
Confira os vídeos: