Texto: Thaís Herrero | 04 de maio de 2022
“O ouro do Brasil está banhado em sangue. Isso é fruto da ganância, das formas predatórias de desenvolvimento e dos retrocessos e ameaças que ocorrem hoje no Brasil em relação aos direitos constitucionais indígenas.” Esse é um trecho da declaração de Maria do Rosário Piloto Martins, conhecida como Dadá Baniwa, apresentada no 21o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas, que acontece entre os dias 26 de abril e 6 de maio em Nova Iorque.
Dadá é coordenadora de Mulheres da Federação das Organizações Indígenas de Rio Negro (FOIRN) e foi uma das muitas lideranças que chamaram a atenção da ONU para os retrocessos e ameaças aos direitos dos povos indígenas no Brasil diante do atual governo.
O Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, que tem o status consultivo junto ao ECOSOC, e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA) apoiaram os pronunciamentos, junto a organizações parceiras. Além do que foi feito por Dadá, também destacamos a declaração de Maurício Tomé Rocha, da diretoria da HAY – Hutukara Associação Yanomami, membro do Povo Ye’kwana, que vive na Terra Indígena Yanomami.
Também se manifestaram em pronunciamento conjunto a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Instituto Raça, Igualdade e Direitos Humanos, que denunciaram, juntamente ao Iepé e à RCA, a extinção de espaços de participação social indígena nas políticas indigenistas, e a inexistência de canais de interlocução entre povos indígenas e órgãos federais, no pronunciamento “O Fechamento dos Espaços Indígenas de Participação e Controle Social nas Políticas Indigenistas do Brasil”.
Outro tema levado para o Fórum Permanente da ONU foi o descumprimento da obrigação do Estado brasileiro em consultar povos e comunidades indígenas quando medidas administrativas e legislativas possam afetar seus modos de vida e seus direitos, no pronunciamento denominado “Pela efetivação do direito à Consulta e ao Consentimento Livre, Prévio e Informado no Brasil”.
A seguir, detalhamos esses importantes documentos.
Violência contra as mulheres e crianças
Dadá fez questão de lembrar à ONU que na mesma semana em que a reunião acontecia, em Roraima, o povo Yanomami denunciava o estupro e assassinato de uma menina de 12 anos vítima da invasão de garimpeiros. “Nossos territórios clamam por socorro, pois estão sendo invadidos, violados, ameaçados pela mineração e pela exploração ilegal de seus recursos naturais”, afirmou.
“A resistência do governo à demarcação das terras indígenas, somada ao incentivo do Estado brasileiro a grupos criminosos de garimpeiros, grileiros e madeireiros na invasão de territórios tradicionais, enseja uma série de ataques diretos à vida de mulheres e meninas indígenas”, completou.
Em seu pronunciamento, Dadá também pediu que os membros do Fórum Permanente, o Mecanismo de Peritos sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o Relator Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas recomendem ao governo brasileiro:
- Ações emergenciais para garantir a segurança das mulheres indígenas dentro e fora de suas comunidades;
- Medidas emergenciais para desintrusão e proteção de nossos territórios invadidos;
- Retorno às políticas de demarcação de terras indígenas para lidar com crimes perpetrados por garimpeiros, caçadores, madeireiros, pecuaristas e outros invasores;
- Garantir o cumprimento dos direitos constitucionais, incluindo o consentimento livre, prévio e informado;
- Promover a participação das mulheres indígenas nos processos de consulta e consentimento e o respeito aos protocolos autônomos de consulta desenvolvidos pelos povos indígenas.
Ações contra o garimpo ilegal
Maurício Ye’kwana também destacou em seu pronunciamento o avanço da invasão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. Apesar de estar no coração da floresta amazônica e ser uma das maiores Terras Indígenas demarcadas do mundo, a atividade ilegal teve um crescimento de 495% na região.
“Enquanto isso, tramitam no Congresso brasileiro projetos de lei, como o PL 191 e o PL 490, que pretendem legalizar o garimpo em Terras Indígenas e enfraquecer o grau de proteção aos direitos dos povos indígenas, reconhecidos constitucionalmente e internacionalmente. Se essas iniciativas legislativas prevalecerem, as graves violações de direitos humanos dos povos indígenas do Brasil apenas se farão agravar”, disse.
Ele solicitou ao Fórum das Nações Unidas que recomende ao governo brasileiro que conduza com celeridade investigações sobre organizações criminosas que atuam com a cadeia do ouro, promova a imediata retirada de invasores nos territórios indígenas, com operações periódicas de fiscalização, inutilize todo o maquinário flagrado e proteja as comunidades indígenas ameaçadas pelos invasores com suas atividades ilegais.
Direito à Consulta e ao Consentimento Livre, Prévio e Informado
Assinado pelo Iepé e pela RCA, a declaração Pela efetivação do direito à Consulta e ao Consentimento Livre, Prévio e Informado no Brasil, teve como objetivo destacar à ONU que o “Estado brasileiro segue descumprindo seu dever e violando o direito dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais de participarem de decisões que afetem suas vidas e direitos”.
Segundo o documento, diversas obras e empreendimentos seguem sendo planejadas e executadas sem a observância do direito de esses povos serem consultados, impedindo sua participação social em decisões que afetam seu futuro.
“O dever de consulta tem sido visto como mera formalidade burocrática em processos de decisões já tomadas. Assim, estradas, ferrovias, portos, hidrelétricas, linhas de transmissão, atividades minerárias e outros são licenciados e construídos sem nenhum tipo de consulta a povos indígenas afetados, mesmo nos casos em que o projeto é implementado dentro das terras indígenas. É o caso do projeto de lei 191/2020 que pretende regulamentar a mineração em Terras Indígenas, apresentado pelo Governo brasileiro ao parlamento, sem consulta aos povos indígenas.”
No pronunciamento, as organizações salientaram que os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, exercendo a autonomia e autodeterminação a que tem direito, estão elaborando seus próprios protocolos de consulta e consentimento. Esses são instrumentos inovadores, em que esses povos expressam sua boa fé para o diálogo com o governo. Neles, explicitam ao governo o tempo, as formas, os locais e as pessoas certas que devem ser acionadas para participarem de processos de Consulta Prévia, Livre e Informada. O Brasil registra hoje mais de 60 Protocolos Autônomos elaborados.
Ao final, o pronunciamento solicita que o Fórum Permanente para Assuntos Indígenas recomende ao governo brasileiro:
- Reconhecer sua obrigação de consultar povos indígenas e comunidades tradicionais, e obter seu consentimento, conduzindo processos de consulta de boa fé, prévia e culturalmente adequada antes de tomar qualquer medida legislativa ou administrativa que possa afetá-los.
- Reconhecer a livre determinação e a autonomia dos povos indígenas e sua disposição para o diálogo de boa fé com o Estado, respeitando seus Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado e seu caráter vinculante para os processos de consulta prévia.
>> Leia aqui a notícia sobre o documento “O Fechamento dos Espaços Indígenas de Participação e Controle Social nas Políticas Indígenas do Brasil”.