Agentes Ambientais Indígenas recebem certificação como Técnicos em Meio Ambiente

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Trinta e um indígenas se formaram graças à parceria inédita entre Iepé e Ifap e foram reconhecidos profissionalmente como técnicos em meio ambiente. A formatura aconteceu no dia 20 de agosto na Aldeia Manga, em Oiapoque.

Texto: Maria Silveira e Rita Lewkowicz

Agentes Ambientais Indígenas, os chamados Agamin, mostram o diploma (Foto: Marcela Jean Jacque)

“Hoje fico feliz de poder realizar o meu sonho, que era receber a certificação de Agamin”, diz Pedro dos Santos. Ele é um dos 31 Agentes Ambientais Indígenas, os chamados Agamin, que se formaram como técnicos em meio ambiente em 20 de agosto de 2022, na Aldeia Manga em Oiapoque.

A formatura dos Agentes Ambientais Indígenas marcou a conclusão de um processo de formação iniciado em 2016, realizado pelo Instituto Iepé e certificado pelo Instituto Federal do Amapá (Ifap), em parceria com o Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), com apoio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da The Nature Conservancy (TNC) e da Rainforest Foundation Noruega.

Para Rita Lewkowicz, coordenadora do Programa Oiapoque do Iepé, a formação e a certificação são momentos históricos, pois o curso foi realizado dentro das aldeias, a partir de uma perspectiva diferenciada e intercultural. A metodologia usada foi a pedagogia de alternância, ou seja, durante um mês eram realizadas aulas teóricas e ao final desse período os cursistas retornavam para suas aldeias para colocar em prática  o que discutiram nas aulas.

“Ao longo desses 6 anos, realizamos diversas atividades, como: o manejo do tracajá, experimentos agroflorestais, intercâmbios com outros povos, reuniões nas aldeias, visitas técnicas em lugares relevantes, dentro do território e no entorno, inclusive no campus do Ifap de Porto Grande. A proposta curricular multidisciplinar incluiu temáticas diversas com uma abordagem metodológica intercultural, no sentido de valorizar e sistematizar os conhecimentos indígenas, assim como promover o diálogo com outros conhecimentos e tecnologias, de forma simétrica e a partir de uma perspectiva histórica e comparativa”, pontua Rita.

Os novos técnicos em meio ambiente da Agamin. (Foto: Davi Marwono)

A certificação dos técnicos em meio ambiente foi possível através de uma parceria inédita, firmada por meio de um termo de cooperação técnica do Ifap com o Iepé, e possibilitou o reconhecimento profissional dos agentes ambientais como técnicos. Segundo Romaro Silva, pró-reitor de extensão, pesquisa, pós-graduação e inovação do Ifap, a certificação é uma conquista. “Esperamos que essa formação possa contribuir com a perspectiva da sustentabilidade e da valorização dos povos originários. E que, ao mesmo tempo, seja apenas uma de muitas outras ações que iremos realizar em parceria com os povos indígenas e o Iepé. A certificação contribui na luta para uma oferta de educação pública gratuita e de qualidade para a população indígena”, explica o pró-reitor.

Os Agamin são dos povos Karipuna, Galibi Marworno e Palikur, e cuidam da gestão socioambiental dos territórios indígenas. O nome do grupo também se refere a um pássaro amazônico que cuida e limpa a floresta.

Segundo Pedro dos Santos, agente ambiental na Aldeia Manga, estudar sobre o território é importante. “Nós, como Agamin, estamos estudando o comportamento das espécies, a mudança de temperatura, a mudança das chuvas e fazendo o acompanhamento delas em nosso território. Eu estou aqui para continuar aprendendo cada vez mais a observar a natureza e valorizar a riqueza que nós temos aqui na Terra Indígena Uaçá”, relata Pedro.

Uma importante mobilizadora do grupo é Rosenilda dos Santos Martins, ela também é a única mulher entre os Agamin que concluiu o curso. “Tem que vir mais mulheres, viu? Podem vir”, convida Rose durante discurso na cerimônia.

Rosenilda dos Santos Martins, a única mulher entre os Agamin. (Foto: Joyce Anika)

A proteção territorial é uma das principais preocupações das lideranças das quatro etnias da região do Oiapoque. O trabalho de vigilância territorial é realizado desde a demarcação das Terras Indígenas do Oiapoque e faz parte do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA). Sedrick Anika dos Santos, do povo karipuna e que reside na Aldeia Santa Izabel, explica: “O objetivo dos Agamin dentro das comunidades é estar junto da liderança e do movimento indígena vendo possíveis impactos ambientais, fazendo a vigilância do território e desenvolvendo projetos que tragam benefícios tanto para as comunidades indígenas, quanto para o entorno das terras indígenas”.

Manoel Severino dos Santos, ou “Agamin Vetereno”, como é conhecido pelos colegas, é da etnia Galibi Marworno e aos 60 anos de idade é o formando mais velho. “A atividade é importante não só para mim, mas para a comunidade, para meus filhos e netos. Faço isso porque eu acho muito importante. Eu sou veterano, e agora sou profissional, posso ir ensinando os jovens para trabalharem no meu lugar no futuro”, relata Severino.

Severino dos Santos, o “Agamin Veterano”. (Foto: Joyce Anika)

Na Terra Indígena Wajãpi, os Agentes Socioambientais Wajãpi (ASA) também são concluintes do Curso Técnico em Meio Ambiente. Eles iniciaram a formação no mesmo período que os Agamin, e a formatura dos ASA acontecerá em breve.

Olhares sobre o território

O livro “Olhares sobre o território: pesquisas dos agentes ambientais indígenas do Oiapoque” reúne 37 ensaios escritos pelos Agentes Ambientais Indígenas do Oiapoque a partir dos seus trabalhos de conclusão de curso, trazendo sua percepção sobre a gestão dos territórios indígenas, seu manejo e uso sustentável, além de abordar sobre as roças, medicina tradicional, festas e artefatos. 

Sobre o livro, Luis Donisete Grupioni, coordenador executivo do Iepé, diz: “É um convite para conhecer mais sobre a realidade de três terras indígenas contíguas, na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa”.

Sedrick Anika dos Santos com o livro “Olhares sobre o Território”. (Foto: Joyce Anika)

Para mostrar o conhecimento dos Palikur, Jessinaldo Labonte Ioio tratou em sua pesquisa de algumas espécies de animais e plantas que vivem na mata e no campo alagado. Para ele, o resultado da formação pode ser levado para as futuras gerações. “Desde 2016, começamos a estudar, enfrentamos um pouco de dificuldade, mas nós conseguimos essa conquista hoje, em 2022. Daqui para frente vão assumir outros jovens e nós estaremos como exemplo para eles, dando orientação e repassando nossos conhecimentos. Hoje estou aqui, muito feliz junto com os meus colegas”, comenta o técnico ambiental.

A partir de uma doação da Voltalia, mudas de ipê amarelo foram distribuídas na cerimônia. (Foto: Marcela Jean Jacque)

>> Acesse o livro “Olhares sobre o território: pesquisas dos agentes ambientais indígenas do Oiapoque”

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