Texto: João Bourroul
Jovens indígenas e os facilitadores do Iepé no Centro de Formação da Terra Indígena Uaçá (Foto: Bruno Huyer)
Indicados pelos caciques de suas aldeias, 12 jovens participaram da Formação de Jovens Indígenas Comunicadores do Oiapoque. O encontro, organizado pelo Iepé e financiado pela Fundação Rainforest da Noruega , aconteceu entre os dias 16 e 19 de setembro e reuniu participantes com idades entre 15 e 26 anos no Centro de Formação Domingos Santa Rosa, na Terra Indígena Uaçá, no município de Oiapoque-AP.
Além dos jovens e dos facilitadores do Iepé, também estiveram presentes Luene Karipuna, ativista e criadora de conteúdo digital e o cineasta Davi Marworno, que dividiram com o grupo de jovens um pouco de suas experiências com o audiovisual.
O cineasta Davi Marworno durante a oficina sobre edição de vídeo (Foto: João Bourroul/Iepé)
Esse já é o quarto encontro dessa formação. Segundo Joyce Anika, uma das jovens presentes na formação, uma das principais conquistas desse processo formativo é o reconhecimento das lideranças indígenas. “Enquanto a gente aprendia sobre comunicação, nossos caciques e parentes aprendiam junto”, afirma a jovem de 21 anos. “Eu sinto tanto orgulho quando eles falam ‘vou chamar a comunicadora da minha aldeia pra vir fazer um registro aqui’. Esse retorno dos caciques é maravilhoso”.
Mandioca e manifestação: nada como a prática
O foco desse módulo foi compartilhar com os jovens indígenas algumas noções básicas do audiovisual, passando por conceitos históricos e técnicos mas também com bastante foco em atividades práticas. Princípios de enquadramento, fotografia, som, edição e técnicas de entrevista eram mesclados com sessões de documentário, como o filme Quentura, que mostra como o colapso climático já afeta a vida de indígenas na Amazônia. Ao fim da exibição do filme, foi realizada uma roda de conversa sobre as técnicas utilizadas nesse filme que aborda um tema que, infelizmente, todos os jovens ali se conectam imediatamente.
As tarefas práticas se debruçaram sobre temas quentes e que vem mexendo com os ânimos dos indígenas do Oiapoque-AP. Os jovens se dividiram em três equipes de filmagem pra contar a história da misteriosa praga da mandioca que vem assolando as roças da região. Filmando tanto em aldeias quanto no mercado da cidade, ficou nítido que, mais do que uma tragédia econômica, a praga da mandioca é sobretudo uma tragédia cultural.
Jovens comunicadores gravando entrevista sobre a paga da mandioca (Foto: Rede de Comunicação Arawa)
Trágica também foi a morte da jovem indígena Maria Clara, de 15 anos, que foi estuprada e assassinada no Oiapoque-AP na mesma semana que a formação ocorria. Estarrecedor, o caso ganhou repercussão nacional e internacional e ali no Oiapoque a cidade parou pra prestar homenagens e manifestar a revolta por mais esse caso de violência contra mulheres e contra os povos indígenas. Os jovens realizaram uma ampla cobertura ao vivo do protesto, que parou a cidade, levando centenas de pessoas a marchar no centro de Oiapoque.
Cobertura ao vivo da manifestação pela morte da indígena Maria Clara (Foto: João Bourroul/Iepé)
Enquanto as filmagens sobre a mandioca tinham um viés mais documental, profundo e quase cinematográfico, a cobertura da manifestação era uma típica produção de jornalismo ao vivo para redes sociais.
Rede Arawa
No último dia da formação, os jovens oficializaram a fundação da Rede de Comunicação Arawa, o coletivo de jovens comunicadores indígenas dos povos Galibi Marworno, Palikur, Karipuna e Galibi Kali’na . Além de decidirem o nome e começarem a esboçar o logo do coletivo, eles já começaram a traçar objetivos e dividir tarefas e responsabilidades dessa rede que tem muito o que dizer – e que ainda vai dar muito o que falar.