Protagonismo indígena: Povos do Amapá e norte do Pará realizam assembleia

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A IV Assembleia da Apoianp buscou consolidar a articulação dos povos e organizações indígenas do Amapá e norte do Pará em ações para a proteção dos seus territórios e dos direitos indígenas.

Texto: Maria Silveira

Abertura da IV Assembleia da Apoianp. Imagem: Maria Silveira – Instituto Iepé.

Mais de 140 participantes estiveram reunidos na IV Assembleia Geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp), nos dias 17 a 20 de outubro de 2023, em Macapá. A Apoianp é a instância regional de deliberação do movimento indígena do Amapá e norte do Pará, composta por representantes indicados pelas organizações de base que representam os povos indígenas que vivem nas seis Terras Indígenas da região: Terras Indígenas Wajãpi, Galibi, Uaçá, Juminã, Paru D´Este e Parque do Tumucumaque. Durante os quatro dias, houveram discussões sobre a conjuntura de mobilização nacional em defesa dos direitos indígenas, fortalecimento do movimento indígena, políticas públicas de saúde e educação, ameaças e conflitos, mudanças climáticas, cadeias produtivas e segurança alimentar.

A assembleia propiciou o diálogo dos representantes indígenas com dirigentes de órgãos federais e estaduais, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Distrito Sanitário Especial Indígena do Amapá e Norte do Pará (DSEI), a Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas (Sepi), o Núcleo de Educação Escolar Indígena (NEI) e a Embrapa. Para eles foram apresentadas diversas demandas e reivindicações, principalmente voltadas à melhoria das políticas públicas no atendimento das pessoas que vivem nas comunidades indígenas. 

Delegados do Amapá e Norte do Pará. Imagem: Maria Silveira – Instituto Iepé

Segundo Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), os povos do Amapá e norte do Pará estarem organizados e atuando em conjunto para a defesa dos seus direitos e de seus territórios é de suma importância. Ele ainda salienta: “O Brasil vive um novo momento, com grande protagonismo indígena, com lideranças ocupando cargos no poder executivo, mas também de grandes desafios e ameaças, seja de tentativas de impor retrocessos legislativos aos direitos indígenas, que estão em curso no Congresso Nacional, seja de ameaças nos territórios, com garimpeiros ilegais, grileiros e desmatamento”. Ele ainda conclamou os participantes a se unirem e atuarem em conjunto, com uma Apoianp fortalecida e articulada ao movimento indígena da Amazônia e do Brasil.

Para Luis Donisete Benzi Grupioni, coordenador executivo do Iepé, fortalecer a Apoianp é fundamental para dar voz ao movimento indígena local, e difundir boas práticas que estão em curso na região. Ele relembrou que os povos indígenas do Amapá e do Norte do Pará foram pioneiros com a elaboração do Plano de Vida do Oiapoque, com a elaboração do primeiro Protocolo de Consulta Prévia no Brasil do povo Wajãpi, e também, com os primeiros processos de Consulta, pautados por protocolos, em andamento. “A Apoianp precisa estar fortalecida para que haja protagonismo dos povos e organizações da região, em discussões das políticas públicas, sejam as federais ou estaduais, como a Política Estadual de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais, em discussão no Amapá”, declara Donisete.

Mudanças Climáticas

O tema das mudanças climáticas foi bastante debatido durante a Assembleia da Apoianp. Kleber Karipuna lembrou que em 2025, Belém (PA) sediará a 30ª conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP 30, e que o movimento indígena pretende ter uma atuação marcante, defendendo a importância dos territórios indígenas para a regulação climática. Diferentes representantes indígenas falaram sobre os problemas que os povos do Oiapoque estão enfrentando com as pragas nas roças, que tem dizimado suas plantações de mandioca, resultando num quadro de insegurança alimentar na região.

O pesquisador da Embrapa, Adilson Lopes Lima, afirma que a crise climática tem contribuído para a crise das roças do Oiapoque. “Como choveu bastante no ano anterior, a roça não foi queimada apropriadamente e houve a proliferação de microrganismos que afetam a roça”, declara o pesquisador. Uma das explicações para o surgimento dessas pragas são as alterações do clima na região, com chuvas fora de época, calor intenso e estiagens prolongadas.

Arinaware Waiana, representante da Associação dos Povos Indígenas Wayana e Apalai (APIWA), relembrou situações problemáticas que viveram nas roças do Tumucumaque: “Nós tivemos cheias que ocorreram no ano passado, quando se perderam muitas roças, e agora a seca tem castigado a região. Hoje, temos outro problema além desse: nossas plantações de mandioca já estão com bactérias. Precisamos nos fortalecer para combater essas mudanças climáticas”, explica Arinaware. Com a mesma preocupação, Kuresisi Waiãpi, representante do Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), pontuou: “Não conseguimos trazer pacientes para o atendimento porque o rio está seco. Nós, os animais e a floresta precisamos de água para viver. Essa situação é preocupante”.

Para os indígenas, ainda precisa ser combatido o impactos de grandes empreendimentos, como a exploração de petróleo, e diferentes ameaças, como o garimpo dentro e no entorno das Terras Indígenas. Janina Forte, representante da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM), falou sobre os anseios relacionados à proposta de exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, próximo às Terras Indígenas de Oiapoque: “Nós buscamos uma formação sobre os impactos da exploração do petróleo, para termos esse conhecimento quando a discussão chegar em nossas bases”. 

Cocar Plumaje de Enzo Galibi Marworno. Imagem: Maria Silveira – Instituto Iepé

Gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas

A preocupação com a proteção do território foi constante nas falas das lideranças presentes, que destacaram a importância de todas as Terras Indígenas da região contarem com seus Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e Protocolos de Consulta e Consentimento elaborados e agora, em fase de implementação.

Além das expedições e estratégias de proteção do território, também foram compartilhadas diferentes ações que vêm sendo realizadas no sentido de fortalecer os modos de vida, gerar renda e manter a floresta em pé. As iniciativas com a comercialização do açaí, nas Terras Indígenas do Oiapoque e Wajãpi, com a comercialização do mel no Tumucumaque, e as trocas de conhecimentos relacionados aos artesanatos, em todas as regiões, são alguns dos exemplos compartilhados na discussão sobre as economias da sociobiodiversidade. “Cada povo tem um jeito de fazer as coisas, por isso é bom conhecermos outros parentes indígenas”, destacou Kamoju Waiãpi.

As organizações indígenas são protagonistas nestas iniciativas, por meio de seus projetos próprios, trazendo resultados importantes e também novos desafios relacionados a gestão financeira e governança. No âmbito dessa discussão, Valéria Paye, diretora do Fundo Podáali, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), compartilhou que o apoio a projetos indígenas em toda Amazônia vem sendo bem-sucedido, considerando que na implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) há responsabilidades que são do poder público, mas há outras que os povos indígenas são protagonistas. “Queremos fazer o dinheiro chegar nas pontas, porque os povos indígenas são os maiores cuidadores do meio ambiente e da biodiversidade”, disse Valéria. A implementação dos PGTAs é uma das motivações da criação do Fundo Podaáli. 

Fernando Bittencourt, da The Nature Conservancy, destacou a importância das organizações estarem regularizadas e aptas para acessarem esses recursos. Ressalta ainda a importância da Apoianp e das demais redes e articulações estaduais, como a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT) e Coiab, no sentido de garantir a elaboração e implementação das políticas públicas, assumindo um diálogo com os governos locais.

Eleições e encaminhamentos

Durante a assembleia, além da aprovação de ingresso de novas organizações indígenas na base da Apoianp, foi apresentada a proposta de um novo regimento interno, que será encaminhado para análise das organizações de base das regiões, e deverá ser apreciado na próxima assembleia da organização. 

A “Caravana Participa Parente” percorreu a assembleia e houve a votação para a escolha de representantes da Apoianp para o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). O Conselho é responsável pela elaboração e acompanhamento da implementação das políticas públicas indigenistas no Brasil, contando com representantes dos povos indígenas e representantes governamentais dos diferentes ministérios. O Amapá será representado no CNPI por Aventino Kaxuyana Tiriyó e os suplentes Kamoju Waiãpi e Luene Karipuna.

Da direita para a esquerda, Aventino Kaxuyana Tiriyó representante escolhido da Apoianp para o CNPI, e os suplentes Luene Karipuna e Kamoju Waiãpi. Imagem: Rodrigo Ferreira – Instituto Iepé.

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