Limites entre assentamento da Perimetral Norte e Flota do Amapá são tema da Consulta Prévia ao povo Wajãpi

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A Consulta Prévia é um direito dos povos indígenas de serem consultados e participarem de decisões administrativas e legislativas do Estado brasileiro capazes de afetar suas vidas e seus direitos

Texto: Iepé

Com objetivo de retomar o debate sobre uma proposta governamental de alteração nos limites entre o Projeto de Assentamento  Perimetral Norte, situado na BR-210,  e a Floresta Estadual do Amapá (Flota), em uma área contígua à Terra Indígena Wajãpi (TIW), foi realizada, nos dias 24, 25 e 26 de agosto, a 3ª Etapa da Consulta Prévia aos Wajãpi. 

A reunião, convocada pelo Ministério Público Federal (MPF) a pedido do Conselho de Aldeias Wajãpi – Apina, teve a finalidade de consultar os Wajãpi sobre a nova proposta elaborada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em conjunto com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá (SEMA) e o Instituto de Terras do Estado do Amapá (Amapá Terras). A primeira proposta de redefinição dos limites entre o assentamento e a Unidade de Conservação estadual foi apresentada em 2017, na primeira etapa do processo de consulta, e rejeitada pelos Wajãpi em 2018, devido aos impactos que traria para suas comunidades. Desde então, o povo indígena aguardava a finalização de uma nova proposta governamental, incorporando as alterações solicitadas.

Situado junto ao limite leste da Terra Indígena Wajãpi (TIW), que teve seu processo de identificação iniciado pela Funai na década de 1970, o Projeto de Assentamento Perimetral Norte foi criado pelo INCRA em 1987 (portaria 920/1987), visando induzir a colonização da região.  

3ª Etapa da Consulta Prévia ao povo Wajãpi / Foto: Alessandra Lameira

Os Wajãpi têm como prioridade a conservação da terra, da floresta e de seus recursos naturais, que são essenciais para a manutenção de seus modos de vida tradicionais e de sua organização social. Afirmam que os desmatamentos que vêm ocorrendo junto à BR 210 já prejudicam seu modo de vida, pois dificultam a caça, uma das principais fontes de subsistência de seu povo.   Preocupados com as consequências que a ocupação desordenada do entorno está trazendo para a gestão de seu território, reivindicam a criação de uma faixa de proteção junto aos limites da Terra Indígena. Segundo eles, a ocupação desordenada facilita o acesso de invasores às suas terras, possibilitando a entrada de caçadores, pescadores, e garimpeiros, e, no futuro pode viabilizar a instalação de fazendas, madeireiras mineradoras e outros empreendimentos causadores de impactos ambientais junto aos limites da TIW. 

Porém, os Wajãpi afirmam que mantêm uma boa relação com a maioria de seus vizinhos que vivem da agricultura familiar e desejam que os assentados tenham seus direitos respeitados. Acreditam que a faixa de proteção junto aos limites da Terra Indígena vai contribuir para evitar conflitos com eles no futuro e, por isso, propuseram batizá-la de “Faixa da Amizade”. 

“O principal medo que nós temos é que, se não controlar (o uso da terra) e não tiver algumas regras, eles (os ocupantes do entorno da TIW) podem fazer de qualquer jeito, desmatando e prejudicando os nossos modos de vida”, ressaltou Roseno Waiãpi, Chefe da aldeia Wakowã e um dos organizadores do evento. 

Durante a reunião, o superintendente do INCRA, Fábio Muniz, apresentou algumas propostas, entre elas o reassentamento de alguns ocupantes das áreas mais próximas aos limites da Terra Indígena que ainda não possuem títulos de propriedade e a atualização da relação dos beneficiários para o Programa Nacional de Reforma Agrária. “O Incra está redefinindo o perímetro do Assentamento da Perimetral para que se adeque aos pedidos dos Wajãpi. Apresentamos a proposta final e os indígenas irão conversar entre si para que, na última etapa da consulta, informem se a aceitam ou não”, pontuou Fábio Muniz. Os Wajãpi defendem que os direitos dos assentados sejam respeitados e que aqueles que precisem ser realocados sejam indenizados e transferidos para uma outra localidade com melhores condições de infraestrutura. 

“Essa reunião representa a concretização do direito fundamental à consulta prévia, livre, informada e com boa fé estabelecida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. O MPF, que acompanha desde o início esse processo, está presente para garantir que o direito de consulta seja respeitado pelos órgãos públicos, e que os Wajãpi possam participar ativamente e sejam respeitados em todo esse processo de consulta antes que a decisão seja tomada pelas instituições”, informou o procurador da República Alexandre Guimarães. 

De forma pioneira no Brasil, o processo de diálogo dos Wajãpi com os órgãos responsáveis pelo assentamento e pela Floresta Estadual do Amapá vem sendo realizado de acordo com as regras estabelecidas pelos indígenas em seu próprio Protocolo de Consulta e Consentimento. De acordo com este documento, o próximo passo da consulta será a realização de reuniões internas entre os Wajãpi, quando discutirão a proposta dos órgãos públicos e decidirão a resposta que será dada ao governo. “As propostas serão discutidas entre os chefes Wajãpi em nove reuniões regionais, que são as discussões internas, para saber se haverá o consentimento dos indígenas. Em dezembro deve acontecer a segunda reunião com os órgãos de governo, quando esperamos que os direitos sejam assegurados e que se tenha uma segurança jurídica para as áreas do entorno”, afirmou Rodrigo Siqueira Ferreira, o assessor de Programa Wajãpi, do Instituto Iepé.

3ª Etapa da Consulta Prévia ao povo Wajãpi / Foto: Leonardo Rosa

Além dos órgãos proponentes da consulta, do MPF e das três organizações representativas dos Wajãpi da TIW, também estiveram presentes para acompanhar a 3ª Etapa da Consulta Prévia aos Wajãpi representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), do Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena e de assentados da Perimetral Norte. 

O povo Wajãpi foi o primeiro povo indígena no Brasil a elaborar um protocolo próprio para orientar os órgãos de governo na realização de consultas prévias sobre medidas que os afetem. Elaborado em 2014, foi  um marco no país e no direito dos povos indígenas. A consulta prévia é garantida na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), é lei no Brasil desde 2004 (Decreto Presidencial nº 5051) e é um direito dos indígenas de serem de consultados e participarem das decisões administrativas, por meio do diálogo intercultural marcado por boa fé.

A região fica a cerca de 300 quilômetros da capital amapaense, Macapá. A Terra Indígena Wajãpi, demarcada entre 1994 e 1996, é a maior do Amapá em extensão, com 607.017 hectares, e se localiza nos municípios de Pedra Branca do Amapari e Laranjal do Jari. É cercada pelo Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, Floresta Estadual do Amapá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Iratapuru, Reserva Extrativista Brilho de Fogo e Floresta Estadual do Paru (PA). 

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