Navegue pelo livro da canoa com os Zo’é

data

Novo livro descreve a apropriação de embarcações pelos Zo’é, uma história recente, mas com enormes desdobramentos na vida desse povo. Hoje as canoas são um instrumento essencial para abertura de novas aldeias e vigilância do território

Texto: João Bourroul

O livro Ihara Rape RupiPelo Caminho da Canoa traz um panorama histórico sobre a relação dos Zo’é com as canoas. O livro foi escrito por Fabio Nogueira Ribeiro, com apoio de diversos homens e mulheres zo’é. Os recursos obtidos por meio da venda dos livros é totalmente revertido para o Fundo de Artesanato Zo’é. Abaixo, veja algumas páginas do livro.

Foto: Fabio Ribeiro

A primeira coisa que chama atenção é que a canoa não é uma tradição antiga para esse povo. É uma inovação tecnológica bem recente, inclusive. Como os Zo’é não tinham o costume de abrir suas aldeias nas proximidades de grandes cursos d’água, os deslocamentos só eram feitos a pé. Hoje, continuam se deslocando desse modo, mas utilizam as canoas para circular nas principais bacias hidrográficas de sua Terra Indígena.

Isso mudou no final da década de 1990, quando servidores da Funai levaram a primeira embarcação até o território Zo’é. A bordo da voadeira de alumínio pertencente à Funai, eles começaram a conhecer essa nova forma de navegação. O conhecimento sobre as canoas de madeira e as técnicas para construí-las veio mais tarde, após contatos com indígenas Wai Wai. Hoje, praticamente todas as famílias Zo’é possuem sua própria canoa de madeira, quase sempre feita a partir de um tronco de aroeira minuciosamente escolhido, talhado e modelado seguindo uma organização de trabalho coletiva envolvendo várias famílias. 

Os Zo’é

Falantes de uma língua tupi-guarani, o primeiro contato dos Zo’é com não indígenas se deu no fim da década de 1980. Eles vivem no norte do Pará, nas florestas entre os Rios Erepecuru e Cuminapanema. Atualmente são cerca de 330 pessoas, organizadas em 19 grupos. Os Zo’é são considerados um povo indígena de “recente contato” pelo Estado brasileiro.

Como fazer uma boa canoa

Foto: Fabio Ribeiro

Fiorello Ihat – assim denominaram a primeira voadeira de alumínio que conheceram. A tradução é “canoa do Fiorello”, nome do servidor da Funai ao qual atribuíram a posse daquela embarcação. A voadeira de Fiorello seguiu sendo usada por muitos anos pelos Zo’é. Foi navegando nela, aliás, que em 2008 eles encontraram alguns Tiriyó navegando em canoas de madeira. Os Tiriyó são conhecidos por serem habilidosos canoeiros. Pouco tempo depois, os Wai Wai passaram para os Zo’é os conhecimentos mais práticos de como se fazer uma boa canoa de madeira. 

A árvore preferida pelos Zo’é para fazerem canoas é a aroeira, chamada por eles de poda’y. O período entre encontrar a aroeira ideal e colocar a canoa na água pode levar até três meses. Após derrubar a árvore, o próximo passo é tirar as folhas e galhos da copa, descascar o tronco e parti-lo ao meio. 

A etapa seguinte consiste em dar ao tronco a forma de canoa. A maneira como a cabeça (proa) é esculpida é considerada crucial, já que a velocidade da embarcação é determinada pelo seu formato. Cabeças largas significam canoas lentas. Amantes da velocidade, os Zo’é se dedicam com esmero na arte de “afiar a cabeça” para que ela “corte a água”, como dizem. Em suma: para eles, a canoa ideal tem a cabeça fina, para dar velocidade, e as costas largas, para garantir a estabilidade na água. 

Foto: Fabio Ribeiro

Os Zo’é se referem às partes da canoa como elementos de um corpo. A proa é referida como “cabeça” e as laterais são “costelas”. Uma das etapas mais trabalhosas na construção de uma canoa é justamente tirar o miolo do tronco, ou seja, o “ventre” da canoa; a dureza da madeira da aroeira é o motivo dessa dificuldade. 

Foto: Fabio Ribeiro

Há quem seja especialista na derrubada e na retirada do bucho da aroeira e há quem seja especialista no acabamento das canoas. O fato é que ambos os trabalhos exigem um alto conhecimento técnico que não são todos que possuem. Quem precisa de uma canoa, em geral, retribui oferecendo farinha de mandioca, grandes peças em cerâmica ou ajudando na abertura de roçados e construção de casas.

Série Saberes Zo’ é

O livro é o terceiro volume da série Saberes Zo’é, dedicada aos saberes e práticas desse povo. A série tem como objetivo fomentar esses conhecimentos e, ao mesmo tempo, fortalecer o Fundo de Artesanato Zo’é – FAZ, por meio do qual os Zo’é adquirem insumos e bens industrializados utilizados em suas atividades cotidianas. Toda a renda adquirida com o livro é revertida para o FAZ.

Conheça os outros dois volumes da série: O primeiro, Potuwa pora kõ – O que se guarda no potuwa, e o segundo, Eremi’u rupa. Abrindo roças.

Como adquirir seu livro

Seu exemplar pode ser solicitado pelo e-mail [email protected] e recebido pelo correio mediante contribuição de R$40. O valor é integralmente revertido para o Fundo de Artesanato Zo’é – FAZ, cuja gestão é realizada pela Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema/Funai com a participação de toda a comunidade zo’é. O valor do frete de envio é coberto pelo Iepé.

A seguir, leia um trecho do livro

Mais
notícias