O crescimento vertiginoso do garimpo ilegal de ouro na Amazônia tem deixado um rastro de destruição ambiental devido ao desmatamento, impactos sociais em comunidades próximas e, também, problemas para a saúde pública e segurança alimentar dos brasileiros. Essa situação foi exacerbada pelo aumento global do preço do ouro, que impulsionou a expansão dos garimpos, ameaçando ainda mais o meio ambiente e os direitos humanos das comunidades locais. 

vendedor de peixe
Mercado de peixes em Macapá (AP). O estado do Amapá teve 11% das amostras com índices de mercúrio acima do recomendado (Foto: Bacabeira Audiovisual/Iepé)

Territórios indígenas estão entre os mais impactados devido à invasão de garimpeiros. De acordo com dados do Mapbiomas, de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%. Os garimpos também levam para perto das comunidades tráfico de drogas, armas, prostituição e ameaças a lideranças. Em janeiro de 2023, o caso da Terra Indígena Yanomami se fez notório, pois esses impactos ficaram evidentes e urgentes de serem solucionados.

O garimpo ilegal também causa a contaminação por mercúrio dos rios e, consequentemente, dos peixes. Isso afeta gravemente as comunidades tradicionais,  indígenas e a população local, que dependem dos peixes como importante fonte de proteína em sua alimentação e, em muitos casos, também têm na pesca a fonte de renda. 

Por que o garimpo causa a contaminação por mercúrio?

Além da destruição causada pela instalação de maquinários, derrubada de árvores e poluição dos rios, a atividade do garimpo demanda o uso do mercúrio, e esse metal líquido está contaminando rios, peixes e as pessoas. 

O mercúrio é um metal líquido usado para separar o ouro dos outros elementos do rio. Quando é queimado, suas partículas contaminantes vão parar na água e no ar. No rio, o mercúrio é absorvido por plantas, que são consumidas por peixes herbívoros. Devido à sua característica de ser bioacumulante, uma vez que um peixe come essa planta e, depois, é comido por um peixe carnívoro, todo o mercúrio é passado de um peixe a outro. Na cadeia alimentar, os peixes maiores, mais velhos e os carnívoros são os que mais acumulam mercúrio.

Milhões de pessoas que consomem pescados provenientes da Amazônia estão sendo impactadas por essa contaminação, mesmo que essas pessoas estejam a centenas de quilômetros de distância dos garimpos.

Uma série de estudos recentes trazem um panorama do tamanho do desastre de saúde pública que o garimpo está criando. O Instituto Iepé fez parte de alguns desses estudos que mapeou os impactos no Amapá. Aqui listamos três:

1) Um em cada cinco peixes da Amazônia está contaminado por mercúrio

Um estudo abrangendo 17 municípios em seis estados da Amazônia revelou que 21% dos peixes que chegam à mesa das famílias locais têm níveis de mercúrio acima dos limites seguros. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse limite é de no máximo 0,5 µg/g (micrograma de mercúrio para cada grama de tecido muscular de peixe), mas os peixes analisados apresentaram índices que chegaram a até 4,73 µg/g.

Os piores resultados foram encontrados em Roraima, onde 40% das amostras de peixes apresentaram mercúrio acima do limite recomendado, e no Acre, onde o índice foi 36%. Já os menores indicadores estão no Pará, com 16%, e no Amapá, com 11%. 

Em todas as camadas populacionais analisadas, a ingestão diária de mercúrio excedeu a dose de referência recomendada. O município de Rio Branco (AC) apresentou o índice mais crítico: a potencial ingestão de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência indicada pela Agência de Proteção Ambiental do governo norteamericano.

As informações são de um estudo publicado em maio de 2023 e realizado por pesquisadores do Instituto Iepé em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace Brasil, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil. 

Saiba mais no vídeo:

2) Peixes mais contaminados no Amapá

Publicado em agosto de 2020, um estudo revelou que as espécies mais consumidas no Amapá são também as mais contaminadas por mercúrio. Os níveis de contaminação estavam maiores do que o limite aconselhado pela Organização Mundial da Saúde para consumo humano. Leia mais sobre este estudo aqui.

Quais os peixes mais contaminados por mercúrio?

Peixes maiores, mais velhos e carnívoros são os que mais acumulam mercúrio no corpo ao longo de sua vida e, por isso, devem ser evitados ou ingeridos com menos regularidade, como uma vez por semana. Estudos mostraram que nas comunidades onde se come todos os dias peixes carnívoros, as pessoas têm mais mercúrio no corpo. Entre os peixes mais contaminados por mercúrio estão:

Quais os peixes mais seguros de comer?

Alguns dos peixes mais seguros de serem consumidos diariamente são os herbívoros e menores. Segundo os estudos, acumulam menos mercúrio as pessoas que comem alimentos mais variados, incluindo carne de outros animais, vegetais, raízes e frutas. Entre os peixes mais seguros para serem ingeridos estão:

Ao longo de 2021, o Instituto Iepé lançou uma série de vídeos didáticos sobre a contaminação por mercúrio. Acesse aqui:
>> Como consumir peixes de forma segura evitando o mercúrio? 
>> História em quadrinhos conta sobre os riscos do mercúrio na Amazônia 
>> Animações explicam como o mercúrio do garimpo afeta a saúde da população na Amazônia

2) Mulheres contaminadas por mercúrio

Em 2021, o estudo Exposição de mulheres ao mercúrio em quatro países latino-americanos revelou os altos níveis de contaminação por mercúrio em mulheres de três países da América Latina, entre elas, moradoras do estado do Amapá. 

As brasileiras que tiveram amostras de fios de cabelo analisadas de forma voluntária estavam em idade fértil, vivem em áreas próximas a garimpos na comunidade de Vila Nova (município de Porto Grande), e têm nos peixes uma base importante de sua alimentação.

O nível médio de contaminação foi de 2,98 ppm, excedendo o limite estabelecido pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) de uma parte por milhão (1 ppm). Das 34 mulheres testadas, 16 declararam estar diretamente envolvidas com o garimpo ou serem casadas com garimpeiros. Das outras dezesseis, algumas vivem de subsistência, extraindo alimentos da floresta e peixes dos rios. Todas, no entanto, mantêm o hábito de comer peixes locais pelo menos uma vez por semana. Leia mais sobre o estudo nesta matéria.

pesquisadora analisa peixe contaminado por mercúrio
Pesquisadora analisa peixe em feira de Belém. As mulheres são um grupo mais vulnerável à contaminação de mercúrio. (Foto: Decio Yokota/Iepé)

Por que a contaminação de mulheres é preocupante?

Por ficarem grávidas, a contaminação por mercúrio em mulheres é mais grave e preocupante. Durante a gestação, o mercúrio pode chegar ao feto, comprometendo seu desenvolvimento neurológico, causando danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Há também mais riscos de abortamento para essas gestantes.

Os impactos da contaminação por mercúrio em adultos

Adultos em geral, quando intoxicados com altos níveis de mercúrio no corpo, sofrem com tremores, insônia, perda de memória, alterações neuromusculares, dores de cabeça e disfunções cognitivas e motoras, além do desenvolvimento de problemas no coração.