O trabalho do Iepé no enfrentamento à Covid-19

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Conheça o trabalho desenvolvido pelo instituto para a garantia da saúde e segurança alimentar indígena durante a pandemia do coronavírus.

Diante da maior vulnerabilidade dos povos indígenas em relação à pandemia da Covid-19, em março de 2020, nós do Iepé entendemos que precisávamos agir imediatamente, adaptando o trabalho e dedicando um esforço extra de atenção à saúde das comunidades indígenas em nossa região de atuação. 

A articulação com as organizações que representam os povos do Amapá e norte do Pará e com o Distrito Sanitário Especial Indígena Amapá e Norte do Pará (DSEI-ANP) garantiu uma implementação participativa e eficaz da melhoria na infraestrutura de atendimento aos pacientes e também na redução dos impactos da pandemia nas aldeias.

Quando os primeiros casos de Covid-19 foram confirmados na região, a preocupação da nossa equipe foi garantir a volta segura para as Terras Indígenas de quem estava nas cidades, além de manter nas aldeias quem já estava lá. Contribuímos com a elaboração de protocolos de saúde e com a disseminação de informações sobre a Covid-19, fornecemos alimentação e ferramentas para atividades produtivas, distribuímos itens de higiene e de proteção individual (EPI) e provemos transporte terrestre, aéreo e fluvial. Entre junho e agosto de 2020 conseguimos que um número considerável de pessoas retornassem com segurança às suas aldeias. 

Paralelamente, trabalhamos pela permanência segura da população em seus territórios a partir da melhoria das instalações de saúde, fornecimento de testes de Covid-19 e máscaras, capacitação para equipes de saúde indígena, tratamento de doentes, apoio a atividades de subsistência e melhoria dos sistemas de comunicação nas aldeias, com a instalação de rádios, pontos de internet e sistemas fotovoltaicos.

A médica Vivian Avelino Silva atendendo a crianças do povo Wajãpi (Foto: Iepé)

O foco do nosso trabalho foram as 10 Terras Indígenas situadas no Amapá, norte do Pará e divisas com Amazonas e Roraima, onde atuamos há vários anos e onde vivem mais de 16 mil indígenas: TI Uaçá, TI Juminã, TI Galibi, TI Wajãpi, TI Rio Paru D’Este, TI Parque Indígena do Tumucumaque, TI Zo´é, TI Kaxuyana-Tunayana, TI Trombetas-Mapuera e TI Nhamundá-Mapuera. 

Atuamos em parceria com diversas organizações dos povos indígenas da região (Apoianp, Apina, Awatac, CCPIO, Amim, Apiwa, Apitikatxi, Apim, CGPH, Aikatuk e Apiw), e com os parceiros e apoiadores abaixo:

Distritos Sanitário Especial Indígena do Amapá e Norte do Pará (DSEI-ANP), do Guama-Tocantins (DSEI GUATOC), de Parintins e do Leste de Roraima, vinculados à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI); Fundação Nacional do Índio (Funai), Associação Expedicionários da Saúde (EDS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Rainforest Foundation Norway, Nia Tero, Embaixada da França, Embaixada da Noruega, Greenpeace, Laboratório Campus Sustentável da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

A seguir listamos em mais detalhes nosso trabalho, que começou em 2020 com a elaboração e implementação de um Plano Emergencial de Enfrentamento à Covid-19 na região do Amapá e norte do Pará. 

1. Promoção à saúde e atendimento de doentes da Covid-19 nas Terras Indígenas e contexto urbano

O que fizemos:

Além de garantir que os indígenas ficassem em suas aldeias com segurança e resiliência ao enfrentamento da Covid-19, apoiamos melhorias na infraestrutura das unidades de atendimento de saúde nas principais aldeias, com garantia de disponibilidade de medicamentos.

Trabalhamos para a instalação de 15 Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPIs) em aldeias e polos da região: Missão Tiriyó, Bona, Wajãpi, Manga, Kumarumã, Kumenê, Kunanã, Kassawa, Inajá, Kwanamari, Tawanã, Kaspakuru, Santidade, Riozinho e Mapuera. Elas passaram a atender pacientes de leve e moderada complexidade, impedindo que evoluíssem para casos graves. Além disso, os profissionais de saúde receberam capacitação para atuar nas UAPIs no contexto da pandemia.

Adequação da Casai Macapá para enfrentamento da Covid-19 (foto: Iepé)

Cada unidade recebeu equipamentos essenciais, como concentradores e cilindros de oxigênio, macas, oxímetros, termômetros e EPIs. Na região do Tumucumaque Leste e Oeste, por exemplo, as UAPIs puderam ter materiais para manutenção dos geradores. Também fez parte do trabalho o apoio com parte dos fretes aéreos para levar esses insumos, os materiais de construção e combustível para as unidades.

Mãe wajãpi cuida de seu filho no Polo-Base Aramirã com os concentradores de oxigênio enviados pelo Iepé. (Foto: Iepé)
Base da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema, Terra Indígena Zo’é, em fevereiro de 2021. (Foto: Hugo Prudente)

Já nas cidades, em parceria com o DSEI, promovemos reformas e melhorias na infraestrutura das Casas de Saúde Indígena (CASAIs) de Oiapoque e Macapá que ganharam alas para o tratamento de doentes com Covid-19. 

A CASAI de Oiapoque teve reparos elétricos, hidráulicos e pintura do local. Foram adquiridos leitos, colchões, equipamentos básicos e de saúde. Já em Macapá, o foco foi a adequação do espaço visando uma ala específica para isolamento, reparos nas malocas, banheiros e no sistema elétrico e hidráulico. Foram doados colchões, lençóis, redes, mosquiteiros, materiais de higiene e de limpeza e testes para detectar a Covid-19.

Outras ações:

  • Ampla testagem e monitoramento do avanço da Covid-19 nas Terras Indígenas em seus entornos.
  • Reforma de 17 postos de saúde nas aldeias Flecha, Flamã, Açaizal, Espírito Santo, Santa Isabel, Tukay, Estrela, Kunanã, Galibi, Lençol, Benoá, Samaúma, Kamuywa, Ariramba, Uahá e Kuahi, no Oiapoque (AP). 
  • Na Terra Indígena Wajãpi, receberam novos equipamentos os postos de saúde das aldeias: Aramirã, CTA, Ytuwasu e Jakareakãgoka.
  • Fornecimento mensal de 10 cestas básicas para o polo-base Aramirã, como apoio aos pacientes e acompanhantes.
  • Envio de material de limpeza e higiene, em parceria com a Unicef e Coiab, e distribuição de farinha para as Casas de Apoio da Apitikatxi, Agitiwa, Apiwa e demais casas com famílias indígenas em Macapá.
  • Envio de insumos para várias aldeias do Tumucumaque ao longo de todo período desde o início da pandemia.
  • Envio de alimentação para a equipe da construção das UAPIs no Tumucumaque Leste.
  • Aquisição de duas bombas de água para as aldeias Samaúma e Makará, em Roraima, que enfrentaram problemas de captação de água potável. Nós apoiamos a aquisição de itens e a manutenção de equipamentos para o retorno do acesso à água e compramos um motor de popa para ajudar na logística de distribuição de cestas básicas e deslocamento de lideranças.
  • Aquisição e envio de 400 máscaras para a aldeia Mapuera e outras 400 máscaras para as aldeias do rio Cachorro, Trombetas e Turuni.
  • Apoio logístico para envio de álcool em gel (doação da FPE Cuminapanema/Funai) para as aldeias nos Rios Mapuera, Cachorro, Trombetas e Turuni.
  • Aquisição de 12 motores de popa e 12 voadeiras para os postos de saúde nas aldeias do Tumucumaque, visando garantir o deslocamento e remoção dos pacientes das áreas de difícil acesso. 
Vacinação do povo Zo’é, que aconteceu em fevereiro de 2021 e com ampla adesão. (Foto: Fábio Ribeiro)

Leia mais:

> Parceria entre Iepé, EDS, Dsei e CCPIO implementa Unidades de Atenção Primária Indígena nas TI do Oiapoque

> Instalação da UAPI na Aldeia Caspacuru Pertencente ao Polo Base Oriximiná

2. Segurança alimentar, subsistência e bem estar das comunidades indígenas em seus territórios

Um dos impactos trazidos pela pandemia foi na produção e economia indígena. Por isso apoiamos estratégias que garantiram a segurança alimentar e a alimentação nas aldeias de forma a valorizar os modos de vida dos indígenas e diminuir sua dependência da cidade. Além da distribuição de cestas básicas e produtos de higiene pessoal, o Iepé doou instrumentos e insumos para atividades de caça, pesca e cultivo. 
Também apoiamos a instalação e o funcionamento de barreiras sanitárias nas Terras Indígenas do Oiapoque e Wajãpi e de uma barreira sanitária informativa na fronteira entre Brasil e Suriname. Para evitar o contágio, o povo Wajãpi, por exemplo, se deslocou para aldeias distantes, nos limites da Terra Indígena. Apoiamos essa estratégia fornecendo farinha, materiais para as atividades produtivas tradicionais (caça e pesca) e combustível para o deslocamento de barco das famílias, para que pudessem ir ao polo base caso precisassem de atendimento de saúde. 

Recebimento de farinha para o povo Wajãpi que iria se isolar voluntariamente nos limites da Terra Indígena para evitar o contágio pela Covid-19. (Foto: Iepé)

Detalhes das ações:

  • Compra e entrega de itens para famílias wajãpi para que não precisassem sair das aldeias para fazer compras na cidade, em um total de 6.700 kg de farinha.
  • Distribuição de 4.965 cestas básicas nas Terras Indígenas do Oiapoque, com gêneros alimentícios complementares à alimentação tradicional e produtos de limpeza. Cerca de 500 cestas para famílias da parcela roraimense da TI Trombetas-Mapuera, além de itens de higiene e de pesca que foram distribuídos nas 10 aldeias da região. Também houve o envio de cestas básicas para famílias hexkaryana nas cidades, que não puderam voltar para as aldeias.
  • Distribuição de material de higiene e produtos da agricultura familiar (como 480 kg de banana) para as 18 famílias em Macapá.
  • Doação de cestas básicas para as famílias em contexto urbano em parceria SINDUFAP. 
  • Apoio mensal à manutenção de barreiras sanitárias na TI Uaçá e TI Wajãpi, que visam restringir o fluxo de pessoas dentro das TIs e foram adotadas desde o início da pandemia.
  • Apoio a sete atividades de vigilância dos limites das Terras Indígenas e monitoramento de invasões. 
  • Apoio à Feira de Comercialização de Produtos Indígenas no Oiapoque adaptada para o modelo de entrega em domicílio.
  • Apoio às atividades de manejo do tracajá, espécie importante para o equilíbrio ambiental e para a segurança alimentar dos povos indígenas do Oiapoque. 
  • Apoio na elaboração e submissão de propostas e aquisição de combustíveis para apoio à entrega da alimentação das próprias roças em escolas de aldeias Hexkaryana, implementando o PNAE.
  • O Iepé apoiou a APIM com combustível para o transporte de cestas básicas doadas mensalmente pela Mineração Rio do Norte para os indígenas dos rios Mapuera, Trombetas, Cachorro e Turuni, já que a mineradora não forneceu transporte delas até as aldeias.
  • Apoio para novas aldeias do Tumucumaque e nas Terras Indígenas Kaxuyana-Tunayana e Trombetas Mapuera para a vigilância e monitoramento do Território no período da pandemia.
Itens vendidos na cesta de produtos indígenas do Oiapoque. Já que a Feira Municipal foi suspensa, as vendas passaram a ser feitas com entrega em domicílio (Foto: Iepé)

Leia mais:

> Povos indígenas do Oiapoque mobilizam parceiros para garantir segurança alimentar durante a pandemia

> Fabricação de máscaras no Oiapoque

> Divulgação da cesta de produtos indígenas vendidas no Oiapoque e Macapá

3. Ações de comunicação e informação sobre cuidados à saúde

O fortalecimento da infraestrutura dos sistemas de comunicação foi uma das nossas prioridades desde o início da pandemia. Apoiamos a instalação de rádios, de pontos de internet e de sistemas de energia fotovoltaica em várias aldeias. Isso tem viabilizado a comunicação das comunidades com seus parentes distantes, parceiros e associações, além da realização de reuniões virtuais e a elaboração e implementação participativa do Plano de Enfrentamento à Covid-19. 

Também fizemos de tudo para que informações sobre a situação da pandemia no Brasil e no mundo chegassem aos povos indígenas de forma objetiva e didática. Em parceria com as organizações indígenas, foram elaborados folhetos, vídeos, materiais impressos e digitais, podcasts, banners em português e nas línguas indígenas, todos amplamente divulgados nas aldeias. E, ao longo de 2021, o trabalho ganhou um item extra: a articulação e conscientização das comunidades indígenas sobre a importância da vacinação. 

Um dos exemplos é a execução do projeto “Informação contra a Covid-19 no Território Wayamu”. O resultado foi 44 pílulas do podcast “Xô Corona”, com 11 episódios em cada uma das quatro línguas mais faladas no Território Wayamu (Waiwai, Hexkaryana, Katxuyana e Tiryó) e 44 pílulas de vídeo com o mesmo conteúdo. O projeto foi realizado pela equipe da Apim em parceria com outras organizações indígenas da região (AIKATUK e CGPH), com apoio de antropólogos vinculados à Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Iepé e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e de profissionais das ciências biológicas e da comunicação então vinculados à UFMG.

Instalação de placas solares na Aldeia Kumenê, Terra Indígena Uaçá, no Oiapoque. A energia gerada está abastecendo o posto de saúde, assegurando o funcionamento de equipamentos e de uma geladeira para guardar insumos médicos. (Foto:  Rafael Kotchetkoff Carneiro)

Ações:

  • Ampliação e manutenção dos sistemas de radiofonia, que garantem a comunicação das aldeias para atendimentos de saúde em situações emergenciais e para denúncias de invasões, que acometem as Terras Indígenas e foram ainda mais acirrados durante a pandemia. 
  • Fornecimento de equipamentos para a instalação de mais de 97 pontos de internet nas Terras Indígenas, sendo que em 90% deles arcamos também com a instalação e a manutenção. As aldeias contempladas foram indicadas por suas comunidades, sendo 8 aldeias no Oiapoque; 16 no lado leste do Tumucumaque (rio Paru de Leste); 19 no lado oeste do Tumucumaque (rios Marapi e Paru de Oeste); 10 nos rios Trombetas, Cachorro e Turuni; 15 no rio Mapuera; 14 nos rios Nhamundá e Baixo Jatapu); 10 na porção roraimense da TI Trombetas-Mapuera (alto rio Jatapu, rio Jatapuzinho e arredores). 
  • Instalação de sistemas de energia fotovoltaica para atender à demanda de eletricidade em postos de saúde e internet em mais de 80 aldeias nas Terras Indígenas Parque do Tumucumaque, Rio Paru d’Este, Kaxuyana-Tunayana, Trombetas-Mapuera e Nhamundá-Mapuera e em aldeias do Oiapoque.
  • Materiais gráficos e audiovisuais sobre cuidados na pandemia e vacinação. Entre eles, imagens para circular no Whatsapp, cartilhas impressas e digitais e pôsteres para os postos de saúde das aldeias do Tumucumaque. Os materiais estão disponibilizados em português e nas línguas tiriyó wayana, língua aparai, katxuyana e hexkaryana. O engajamento de professores, agentes de saúde e lideranças na produção e tradução desses materiais foi fundamental, bem como a parceria com associações APITIKATXI, APIWA e COIAB.
  • Implementação de barreira sanitária informativa na fronteira entre Brasil e Suriname, com articulações entre lideranças e organizações indígenas e indigenistas que atuam com os povos indígenas da região. Produção de vídeo nas línguas tiriyó e wayana com depoimentos de caciques e lideranças do Brasil alertando sobre a doença e as fake news
  • No início da pandemia, foram produzidos 10 boletins informativos a respeito da situação do contágio pelo novo coronavírus entre povos indígenas do Tumucumaque, nas línguas portuguesa e inglesa, visando a circulação também entre parceiros do Suriname.
  • 219 profissionais da saúde (agentes Indígenas de Saúde e profissionais de órgãos federais, estaduais e municipais do Amapá) foram treinados e capacitados com o apoio técnico da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Por exemplo, agentes do povo Wajãpi e de aldeias do Oiapoque.  
  • Apoio às associações indígenas na elaboração de pequenos projetos ligados ao contexto da pandemia de Covid-19, bem como em sua execução, fortalecendo o protagonismo e autonomia dos povos indígenas.

Saiba mais:
>
Materiais informativos sobre a Covid-19 chegam ao povo Wajãpi

> Relatos de cem indígenas fazem registro histórico da pandemia 

> Materiais sobre coronavírus para os povos do Oiapoque

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